As doze badaladas a soar e nós, a Helena e eu, logo a comermos, cada um, as nossas já preparadas 12 passas. Depois, sorrimos um para o outro e felicitámo-nos, com um beijo, o termos atingido um novo ano. Na televisão, dançava-se, cantava-se, comia-se e bebia-se. Nós não cantámos nem dançámos, mas comemos e bebemos. Pão feito pela Helena (temos uma máquina de fazer pão), bolo de mel da Ilha da Madeira, chocolates, e uma garrafa de espumante (quase toda). Festa é festa!
Ainda tinha mais para dizer, mas fica para logo. Já são 2 horas, estou com sono, vou-me deitar.
31 de dezembro de 2017
FIM DO ANO
Último dia do ano, 31 de Dezembro de 2017, a cerca de 10 horas da meia-noite. Um ano com boas e más notícias, como todos eles são, mas que, globalmente, para o país e para o povo, bem merece, sem favor, uma nota positiva. Deve-a, inequivocamente, ao actual Governo. Um governo de esquerda que muitos preferiam menos vermelho e mais rosado, mas que foi quem nos livrou do desgoverno desastroso da direita. Essa direita que tudo fez para atemorizar o eleitorado, e em parte conseguiu-o, afirmando-lhe que não havia alternativa à sua política austeritária. Mas havia, como o demonstrou o governo de esquerda, a geringonça, como começaram a chamar-lhe, mesmo sem sensatez, aqueles que deviam repudiar o epíteto.Sim, detesto alcunhas, sejam elas quais forem. São desprestigiantes, sempre, mesmo quando bem intencionadas, o que não foi o caso. E por aqui me fico.
Boas saídas e melhores entradas, e até amanhã!
Boas saídas e melhores entradas, e até amanhã!
21 de setembro de 2017
A PROPÓSITO (3)
A propósito, penso que Portugal se devia preocupar e muito com o que está a acontecer em Espanha com a Catalunha, não para tomar partido, mas, principalmente, para ser um conselheiro que apelasse com vigor ao diálogo e à conciliação. Portugal não pode nem deve esquecer que tudo o que aconteça de bom ou de mau, principalmente de mau, em Espanha, se reflectirá em Portugal. Porquê? Basta não esquecer que a única fronteira terrestre de Portugal, é a fronteira com a Espanha.Tudo o que entra e sai de Portugal, via terrestre, passa pela Espanha. Claro que há a via marítima, mas que é da nossa marinha mercante? Claro que há a via aérea, mas que é da nossa TAP? E, a propósito, a quem se deve isso?
20 de setembro de 2017
19 de setembro de 2017
CONCHAS
Já lembrei, a minha colecção de conchas marinhas, em Biblioteca (5), quando revelei os livros arrumados na Despensa: os de Gastronomia e os de apoio à dita colecção. Volto a ela, para reafirmar que a considero excelente, o trabalho e o esforço, o prazer e o gosto que tive em procurar, encontrar, reunir, adquirir, alinhar, criar, limpar, classificar, arrumar, as conchas, naturalmente, não me permite ser modesto, e para apresentar o catálogo que ela, a colecção, indubitavelmente merece, não no seu todo, dada a sua extensão, apenas o texto de apresentação, o registo classificativo de uma concha, de cada uma das classes, além do anexo referente a outros despojos do mar.
CATÁLOGO DA COLECÇÃO
DE
CONCHAS MARINHAS E DESPOJOS DO MAR
APRESENTAÇÃO
DE
CONCHAS MARINHAS E DESPOJOS DO MAR
APRESENTAÇÃO
As conchas marinhas,
objecto da colecção que este catálogo apresenta, são as carapaças calcárias que
envolvem e protegem os moluscos, animais moles, invertebrados, habitantes
constantes, sempre presentes, de quase todos os oceanos, mares, lagos, do nosso
planeta, que pertencem ao grupo zoológico dos Metazoários.
Compostas, principalmente,
por carbonato de cálcio e de uma substância proteica chamada «conquiolina», as
conchas marinhas são manufacturadas pelo próprio molusco, tornando-se, por
assim dizer, o seu esqueleto externo.
Os moluscos, cujos corpos
são constituídos originariamente por cabeça, com os órgãos dos sentidos, pé, com função motora, saco visceral, que
envolve as vísceras: coração, estômago, intestino, rins, fígado, órgãos
sexuais, e manto ou pálio, prega cutânea dorsal que segrega as conchas,
dividem-se em cinco classes principais: Gastrópoda, Biválvia, Cefalópoda Escafópoda e Poliplacófora.
A
classe Gastrópoda, dos gastrópodes, a mais importante e numerosa, possui mais
de 100 000 espécies conhecidas. Os gastrópodes têm concha de uma só peça, em
geral espiralada, que pode ter a forma de barril, de capacete, de clava, de
cone, de fuso, de orelha, de ovo, de pera, de saca-rolhas, ou uma forma
irregular.
A classe Biválvia, dos
bivalves, a segunda mais importante e numerosa, possui perto de 20 000 espécies
conhecidas. Como o próprio nome indica, os bivalves possuem uma concha de duas
peças, as valvas, que podem ou não ser iguais, unidas por um ligamento, a
charneira, e pode ter a forma de barco, de coração, de disco, de leque, de pá,
de triângulo, ou uma forma irregular.
A
classe Cefalópoda, dos cefalópodes, na qual se incluem polvos, chocos e lulas,
possui entre 600 a
700 espécies conhecidas, muitas das quais não possuem concha ou têm-na interna.
Só a família dos Nautilos possui uma cocha externa em forma de capacete.
A
classe Escafópoda, dos escafópodes, possui entre 500 a 600 espécies
conhecidas. A concha destes moluscos, de uma só peça, é tubular, aberta nos
dois topos, fazendo lembrar um dente de elefante.
A
classe Poliplacófora, dos poliplacóforos ou quítones, possui cerca de 800
espécies conhecidas, todas em forma de carapaça articulada. A concha é
normalmente constituída por oito placas calcáreas unidas por um tecido carnudo
que as circunda.
Dezasseis, têm sido
geralmente aceites, as áreas ou regiões geográficas onde habitam e se
distribuem os moluscos . Elas são, por ordem alfabética do nome que se lhes
atribui, que em regra deriva do sítio em que se localizam, as seguintes:
Aleutiana; Ártica; Australiana; Boreal;
Californiana; Caraíbiana; Indo-Pacífica; Japonesa; Magalânica; Mediterrânica;
Oeste-Africana; Panamiana; Patagoniana; Peruana; Sul-Africana e Transatlântica.
As duas primeiras, por vezes reunidas, dando azo à chamada zona do Círculo
Polar; a Boreal, abrangendo o nordeste da América do Norte, o sul da Islândia e
o nordeste da Europa; a Magalânica, englobando sul do Chile, Terra do Fogo,
Antártida e as Falkland; a Transatlântica, apanhando a costa ocidental da
América do Norte, do cabo Cod à Flórida.
Mais
recentemente, surgiu um esquema geográfico alternativo com vinte zonas, que
subdivide algumas zonas do esquema anterior. Procurando seguir a mesma ordem,
verifica-se que: a Ártica mantém-se; a Aleutina e a Boreal dão lugar à
Atlântica Norte Boreal e à Pacifica Norte Boreal; a Australiana, subdivide-se
nela e na Neo-Zelandesa; a Californiana subdivide-se nela e na Oregoniana; a
Caraíbiana subdivide-se nela e na Argentina; a Indo-Pacífica e a Japonesa
mantêm-se; a Magalânica, engloba a Patagoniana e perde a Antártida; a
Mediterrânica, subdivide-se nela e na Céltica; as Oeste-Africana, Panamiana,
Peruana e Sul-Africana, mantêm-se; a Transatlântica é substituída pela
Virginiana/Caroliniana.
Na
distribuição geográfica das conchas desta colecção, optou-se pela primeira
versão apresentada.
Gastrópodes
Lapa Real
Sub-classe…..
:Prosobranchia 3 exemplares de Autor: Linneu 1758
Ordem ……… :Archaeogastrópoda 7, 7,4 e 7,6 cms Distribuição: Zona Mediterrânica
Sub-ordem… ..:Vetigastrópoda
Local: Galiza, Espanha
Super-família... :Pleurotomarioidea
Família……….: Haliotidae
Género/Espécie: Haliotis tuberculata
Bivalves
Pia Gigante
Sub-classe.......: Heterodonta 1 exemplar de Autor: Roding 1798
Ordem............ : Veneroida 21 cms Distribuição: Zona Indo-Pacífica
Super-familia....: Tridacnoidea Local: Mar Vermelho, Sudão
Família.............: Tridacnidae
Género/Espécie: Tridacna (Chametrachea) maxima
Cefalópodes
Náutilo com Câmaras
Sub-classe.......: Nautiloida 1 exemplar de Autor: Linneu 1758
Ordem.............: Nautilida 13 cms Distribuição: Zona Indo-Pacífica
Super-família....: Nautiloidea Local: (?)
Família.............: Nautilidae
Género/Espécie: Nautilus pompilius
Escafópodes
Dente de Elefante 1 exemplar de Autor: Linneu 1758
Ordem............ : Dentaliida 4,1 cms Distribuição: Zona Boreal e
Família.............: Dentaliidae Mediterrânea
Género/Espécie: Dentalium entalis Local: Portugal (?)
Poliplacóforos
Quítone Ruivo 1 exemplar de Autor: Spengler 1797
Ordem.............: Neorolicata 3,3 cms Distribuição: Zona Mediterrânica
Sub-ordem.......: Ischnochitonina Local: Portugal (?)
Super-família....: Ischnochitonidea
Família.............: Ischnochitonidae
Sub-família.......: Chaetopleurinae
Género/Espécie: Chaetopleura angulata
Despojos do Mar
Bivalves
Pia Gigante
Sub-classe.......: Heterodonta 1 exemplar de Autor: Roding 1798
Ordem............ : Veneroida 21 cms Distribuição: Zona Indo-Pacífica
Super-familia....: Tridacnoidea Local: Mar Vermelho, Sudão
Família.............: Tridacnidae
Género/Espécie: Tridacna (Chametrachea) maxima
Cefalópodes
Náutilo com Câmaras
Sub-classe.......: Nautiloida 1 exemplar de Autor: Linneu 1758
Ordem.............: Nautilida 13 cms Distribuição: Zona Indo-Pacífica
Super-família....: Nautiloidea Local: (?)
Família.............: Nautilidae
Género/Espécie: Nautilus pompilius
Escafópodes
Dente de Elefante 1 exemplar de Autor: Linneu 1758
Ordem............ : Dentaliida 4,1 cms Distribuição: Zona Boreal e
Família.............: Dentaliidae Mediterrânea
Género/Espécie: Dentalium entalis Local: Portugal (?)
Poliplacóforos
Quítone Ruivo 1 exemplar de Autor: Spengler 1797
Ordem.............: Neorolicata 3,3 cms Distribuição: Zona Mediterrânica
Sub-ordem.......: Ischnochitonina Local: Portugal (?)
Super-família....: Ischnochitonidea
Família.............: Ischnochitonidae
Sub-família.......: Chaetopleurinae
Género/Espécie: Chaetopleura angulata
Despojos do Mar
CÁPSULA DE OVO DE RAIA. A raia é
um peixe elasmobrânquio, da classe dos CONDRÍCTIOS, de esqueleto cartilagíneo e
corpo achatado, com fendas branquiais ventrais. A cápsula, de forma
rectangular, é verde acastanhada, translúcida, deixando ver o embrião em desenvolvimento. Em
cada canto da cápsula há um perlongamento, uma espécie de espigão, que serve
para a fixar.
1 cápsula de ovo de raia, de
4,5 cm,
encontrada na praia da Falésia em Vilamoura.
CARAPAÇA DE CARANGUEJO. O
caranguejo é um animal marinho, da
família dos crustáceos, com o corpo protegido por uma carapaça, cinco pares de
patas locomotoras, olhos pedunculados e duas antenas.
1 carapaça de caranguejo (portumnus
latipes Pennant), encontrado na praia da Falésia em Vilamoura
CARAPAÇA DE CRACA ou CIRRÍPEDE. A
craca é um crustáceo da família dos balanídeos, classe CIRRIPEDIA, que vive no
interior de uma carapaça formada por placas calcárias que se fecham ao ar
livre, mas que debaixo de água se abrem, permitindo ao animal a saída dos seus
apêndices:
8 carapaças de cracas, uma isolada e dois grupos: um com 3 e outro com
4.
CARAPAÇA DE OURIÇO. O ouriço é um
animal marinho de corpo esférico ou achatado, com a carapaça que o envolve
coberta de espinhos móveis articulados, da classe EQUINOIDEA, designado
equinoderme ou equinóide, a que pertencem os ouriços-do-mar e as
bolachas-do-mar ou bolachas-da-praia:
1 carapaça de ouriço-da-praia de 6,5 cm (arbacia lixula Linneu), apanhada na praia de Albufeira; 1 carapaça de ouriço-da-praia de 6,3 cm (brissus unicolor Klein), 2 carapaças de ouriços-da-praia de 3,6
e 4,3 cm (echinocardium
cordatum Pennant), 3 carapaças de
ouriços-praia de 3,5, 4,8 e 5,8
cm (psammeechinus
miliaris Gmelin), encontradas na praia da Falésia em Vilamoura; 1 carapaça de bolacha-da-praia de 7,5 cm, da Florida, EUA.
CAVALO MARINHO: espécie de peixe
que nada na posição vertical, tem o corpo coberto de placas em anel e
barbatanas dorsais com espinhos e pertence à classe OSTEICHTHYES, família
Syngnathidae:
1 cavalo-marinho (hippopuscampos),
com 7 cm.
ESTRELA-DO-MAR: animal marinho,
de corpo achatado, liso, granuloso ou com espinhos, com cinco braços, em forma
de estrela, da classe ASTEROIDEA:
4 estrelas-do-mar.
OFIÚRO: animal marinho,
invertebrado, cujo corpo é formado por um disco central e cinco braços
cilíndricos, flexíveis, serpentiformes, da classe OFIUROIDEA:
4
ofiúros (ophiura albida),
encontrados na praia da Falésia em Vilamoura.
OSSO DE CHOCO. O choco, animal
marinho, é um molusco cefalópede, também chamado siba (sepia officinalis Linneu), cujo esqueleto interno é o chamado osso
de choco que depois da morte do animal, flutua e dá à costa:
2 ossos de choco, de 11 cm, encontrados na praia
da Falésia em Vilamoura.
15 de setembro de 2017
REPETIÇÕES (3)
CORAÇÕES – 4/05/2008
Corações, é o nome
de um filme, presentemente em exibição entre nós, do realizador francês Alain
Resnais, que já há muito não nos visitava e de quem já tinhamos saudades. Alain
Resnais, é sempre indispensável recordá-lo, é o autor de um dos mais
importantes, comoventes e impressionantes filmes do cinema francês: Hiroshima,
meu amor. Ele é um dos tais 1001 filmes para ver antes de morrer.
Este Corações é um filme, leve, de uma plácida
tristeza, de uma subtil sensualidade, que nos fala de amargas desilusões, de
dores antigas, de envergonhados segredos, de inocentes mentiras. Adivinhamos
cada plano, prevemos cada movimento, não há cenas que nos sobressaltem ou
intriguem. Resnais somente nos quer envolver e entreter naquela história de
pequenas histórias de encontros e desencontros. O cinema, não apenas, mas
também é entretenimento. E, neste caso, é agradável e repousante ouvir falar
francês para desenjoar do inglês cinematográfico que nos rodeia.
*
O Carlos, o meu amigo Carlos Santos, na véspera do dia em
que morreu, daquela maldita doença perlongada, pediu-me para o acompanhar ao
quarto onde então vivia, para me entregar um embrulho com alguns jornais,
revistas, um cartaz e um livro, dizendo-me com a maior simplicidade: Tenho
mesmo que me separar deles, não os posso levar comigo, deixo-os nas suas mãos.
O Carlos era um amante fiel da França e muito especialmente
do cinema francês. No embrulho, os jornais, Les
Lettres Françaises, nºs de
Outubro e Novembro de 1965/66, e Cine-Club
(órgão da Federação Francesa de cine-clubs), nºs de1947/48/49/50/51/54,
as revistas, Ecran 72,
nºs 9 e 10. e Ecran 73, nº 20, um
cartaz da revista de cinema xsPositif, com
desenhos de Siné, e o livro, Hiroshima
mon amour, de Marguerite Duras. (15/09/2017)
14 de setembro de 2017
REPETIÇÕES (2)
CONSCIÊNCIAS MORTAS - 9/04/2008
Há dias comprei um DVD a preço de saldo, não propriamente
por esse motivo, mas por ser um western (não resisto a um filme de cowboys)
realizado por um homem chamado William Wellman e interpretado por Gregory Peck,
Anne Baxter e Richard Widmark. Muitos ainda se lembrarão dos três actores, mas
do realizador penso que poucos. O filme, Yellow Sky (entre nós, Cidade
Abandonada), de um saudoso preto e branco, data de 1948, tem um tema estafado,
uma realização segura mas sem chama, um Gregory Peck simpático, um Widmark
inquietante, e uma Anne Baxter desenvolta, mas ainda longe da sublime EVA que
lhe valeu um Óscar. E sobre o filme está tudo dito. Aliás a notícia é apenas o
pretexto, para eu recordar um outro, também de Wellman, chamado The Ox Bow
Incident (entre nós, Consciências Mortas), de 1943, esse, sim, uma obra- -prima
indiscutível. Um filme relativamente pouco conhecido que na verdade nunca me
canso de recordar. Foi, então, muito mal recebido nos EUA e chegou a ser
proibido em Inglaterra, na altura, repleta de soldados americanos a
prepararem-se para o desembarque na Normandia.
É a história infame de um linchamento. Três homens, três vaqueiros, são acusados de terem invadido um rancho, tendo roubado e morto os donos. De nada lhes vale reclamar inocência, sendo enforcados no próprio local onde tinham acampado para passar a noite. Mas logo após a execução vem-se a saber que não tinham sido eles os assassinos.
É um episódio terrível que uma linguagem fílmica de grande sobriedade, rigor e contida emoção, inteligentemente, escalpeliza. Como esquecer a imagem daqueles ramos descarnados das árvores, com as cordas a balouçar, recortados contra o céu, ou o devastador final, em que o forasteiro, que impotente a tudo assistiu, lê, no salão onde todos os responsáveis estão reunidos, a carta que uma das vítimas escreveu à mulher e aos filhos a despedir-se.
Vi, pela primeira vez, Consciências Mortas, no velho e pecaminoso Olímpia, onde o filme se estreou. Sei que saí com as lágrimas nos olhos e um soluço na garganta. Tinha então quinze ou dezasseis anos. Mas quando muitos anos depois o voltei a ver, a emoção invadiu-me de novo. Ele é, sem dúvida, um dos filmes de cowboys da minha vida.
CONSCIÊNCIAS MORTAS -10/04/2008
É a história infame de um linchamento. Três homens, três vaqueiros, são acusados de terem invadido um rancho, tendo roubado e morto os donos. De nada lhes vale reclamar inocência, sendo enforcados no próprio local onde tinham acampado para passar a noite. Mas logo após a execução vem-se a saber que não tinham sido eles os assassinos.
É um episódio terrível que uma linguagem fílmica de grande sobriedade, rigor e contida emoção, inteligentemente, escalpeliza. Como esquecer a imagem daqueles ramos descarnados das árvores, com as cordas a balouçar, recortados contra o céu, ou o devastador final, em que o forasteiro, que impotente a tudo assistiu, lê, no salão onde todos os responsáveis estão reunidos, a carta que uma das vítimas escreveu à mulher e aos filhos a despedir-se.
Vi, pela primeira vez, Consciências Mortas, no velho e pecaminoso Olímpia, onde o filme se estreou. Sei que saí com as lágrimas nos olhos e um soluço na garganta. Tinha então quinze ou dezasseis anos. Mas quando muitos anos depois o voltei a ver, a emoção invadiu-me de novo. Ele é, sem dúvida, um dos filmes de cowboys da minha vida.
CONSCIÊNCIAS MORTAS -10/04/2008
Não pensava voltar ao tema, mas quando se fala de cinema,
quando falo de cinema, as recordações são avassaladoras e é difícil travá-las.
A paixão é já mais, muito mais, contida, mas ainda existe.
O filme, "Cidade Abandonada", fez-me recordar o,
"Consciências Mortas", e este, por sua vez, muitos outros, embora
seja só um deles que pretendo trazer à baila, "Seven Man From Now"
("Sete Homens Para Abater", entre nós).
Mais um filme de cowboys, também ele pouco conhecido, também
ele estreado, modestamente, no Olímpia. E também ele, digo, excelente, para não
sobrecarregar a expressão obra-prima. Antes de prosseguir, um passo atrás, para
voltar a "Consciências Mortas", e dizer o que não disse, que dos três
enforcados, um era interpretado por Anthony Queen e outro por Dana Andrews, e
que o forasteiro que lia a carta era o Henry Fonda, aquele Henry Fonda que três
anos antes, no papel de Tom Joad, de "As Vinhas da Ira", de John
Ford, jura à mãe, antes de partir, estar sempre presente onde houvesse uma injustiça,
para contra ela protestar. E ele estava lá! "Sete Homens Para Matar"
é de um realizador pouco badalado, chamado Budd Boetticher. Foi um artigo
extremamente elogioso do crítico francês André Bazin que me alertou para o
filme e me fez correr para o Olímpia logo que soube que ele estava lá a ser
exibido.
É uma história trágica e violenta. Uma mulher é assaltada,
violada e morta, por sete meliantes, na ausência do marido. Este parte em
perseguição dos assassinos, para os apanhar e fazer justiça. A caminhada é longa,
a pradaria é bela e selvagem, as peripécias são muitas, há encontros
inesperados, a justiça é feita, a pouco e pouco. Mas não há banhos de sangue,
não há violência gratuita. A morte de um homem pode ser dada através de o som
de um tiro, do sobressalto de um cavalo e do seu olhar espavorido. É uma das
sete maneiras. O herói é o canastrão do Randolph Scott, um cara de pau que
Boetticher consegue transformar num marido pesaroso, mas muito íntimo, e num
excelente pistoleiro. Boetticher é sóbrio, inventivo, tem o sentido do trágico,
mas também do humor. Fez sete westerns, e este é aquele que deveria constar
daquela lista de "1001 filmes para ver antes de morrer". E não é!
*
Continuo a gostar de cinema, e muito, mas cada vez me atrai menos o ir ao cinema. Mas se algum destes filmes nos visitasse de novo, iria até eles estivessem onde estivessem. (14/09/2017)
13 de setembro de 2017
REPETIÇÕES (1)
Eramos todos crianças, primos e primas, e eu era o Manojas. Penso que lhes dava mais jeito do que chamarem-me Manuel. Até era giro, era só entre nós, não era repetitivo, apenas ocasional, e só durou o tempo do nosso convívio, que não foi longo. O Manojas não perdurou, felizmente nunca se me agarrou. A verdade é que sempre aborreci alcunhas, pseudónimos ou o que quer se lhes chame.
Parecia, pois. ter sido esquecido, e esquecido esteve muitos e muitos anos, mas quando me resolvi a ter um blogue e matutei no nome que lhe havia de dar, ele foi a opção escolhida: MANOJAS.
Iniciei o MANOJAS há dez anos e dois meses, precisamente no dia 6 de Julho de 2007, com o texto
Cronologia do Fantástico, da Ficção Científica e Géneros afins na novelística portuguesa, que, como relatei em ESCRITOS (3), mereceu uma pequena edição de autor, destinada a familiares e amigos, em 2011, mantendo com alguma regularidade a actividade do blogue até 2013. Nesse ano optei por uma pausa, com uma última intervenção em 17 de Abril, pausa essa que durou até ao dia 12 de Agosto deste ano, dia em que anunciei o meu regresso ao MANOJAS, para falar de mim e das minhas coisas. E assim tem acontecido com os relatos sobre a BIBLIOTECA, os ESCRITOS, as TRADUÇÕES, e, agora, também com as REPETIÇÕES.E a primeira é:
Parecia, pois. ter sido esquecido, e esquecido esteve muitos e muitos anos, mas quando me resolvi a ter um blogue e matutei no nome que lhe havia de dar, ele foi a opção escolhida: MANOJAS.
Iniciei o MANOJAS há dez anos e dois meses, precisamente no dia 6 de Julho de 2007, com o texto
Cronologia do Fantástico, da Ficção Científica e Géneros afins na novelística portuguesa, que, como relatei em ESCRITOS (3), mereceu uma pequena edição de autor, destinada a familiares e amigos, em 2011, mantendo com alguma regularidade a actividade do blogue até 2013. Nesse ano optei por uma pausa, com uma última intervenção em 17 de Abril, pausa essa que durou até ao dia 12 de Agosto deste ano, dia em que anunciei o meu regresso ao MANOJAS, para falar de mim e das minhas coisas. E assim tem acontecido com os relatos sobre a BIBLIOTECA, os ESCRITOS, as TRADUÇÕES, e, agora, também com as REPETIÇÕES.E a primeira é:
UM “ÓSCAR” INJUSTO – 1/03/2008
Ganhou quatro Óscares, um deles o de melhor filme, e
chama-se, "No Country for Old Men". Em português deu-se-lhe o nome,
não inteiramente feliz, de, "Este País Não É para Velhos". É um filme
que, na minha opinião, só tem a virtude, não recomendável, da excelência formal
com que trata a violência, o que é muito pouco, ou devia ser, para merecer o
Óscar de melhor filme. Então, em todo o ano de 2007, Hollywood não produziu
nada de melhor do que este requintado exibicionismo de violência gratuita?
Então, " O Vale de Elah", o "Haverá Sangue", ou até o
"Michael Clayton", para só falar dos que estão agora em exibição, não
serão filmes muito mais importantes, muito mais profundos, muito mais sérios,
embora menos cuidados formalmente? Penso que sim!
UM “ÓSCAR” INJUSTO – 13/09/2017
O argumento do filme, realizado pelos irmãos Coen é retirado, do livro com o mesmo nome, do
escritor Cormac McCarthy. Realizadores e escritor são norte-americanos e a
história do livro, que é a história do filme, é de uma violência tipicamente
norte-americana, de uma violência bem característica dos livros e filmes
norte-americanos.
Não está em causa nem o virtuosismo dos cineastas nem a
maestria do romancista, que são evidentes, mas o facto desses atributos serem
utilizados, como eu então escrevi, para um «requintado exibicionismo de
violência gratuita».
Li o livro depois de ver o filme (devia ter sido ao
contrário), mas não mudei de opinião.
6 de setembro de 2017
5 de setembro de 2017
1 de setembro de 2017
A PROPÓSITO! (2)
Teria ficado bem mais descansado se a Direita, partidária e não partidária, não tivesse ficado tão silenciosa, tão sem reacção, face à lição, em muitos aspectos indigna de um ex-presidente da república, que Cavaco Silva deu aos Jotas, na Universidade de Verão do PSD. Sem coragem para elogiar tão triste espectáculo, a Direita fingiu-se distraída, mas como terá apreciado, entre tantos dislates, aquelas tretas sobre a revolução socialista. Ou muito me engano ou a fantasiosa revolução socialista vai ser tema explorado nas próximas eleições autárquicas, e também nas legislativas, para meter medo aos incautos.
A PROPÓSITO!
O retorno do cavaquismo, com ou sem Cavaco, usando ou não outras vestes, servindo-se ou não de outro linguajar, como tem acontecido com outros ismos, não é uma quimera. Há exemplos, não são pouco, não são remotos. A História só não se repete se se impedir a sua repetição.
31 de agosto de 2017
TRADUÇÕES: (4)
Rosebud, fragmentos de biografias, de 2009
de Pierre Assouline, escritor francês, nascido em Casablanca, em 1953, jornalista, cronista, biógrafo, romancista.
Editado pela Bertrand, com tradução minha e da Helena, minha mulher, um livro que mal olhei para ele, lhe li o título, me fez recordar o filme, Citizen Kane, de Orson Welles, que entre nós se chamou, O mundo a seus pés. Certo é que não foi o mundo que Kane (Orson Welles) teve a seus pés, mas sim os verdadeiros amantes da arte cinematográfica. Mas porquê tal recordação? Porque Rosebud foi a última palavra pronunciada pelo magnata da imprensa americana Charles Foster Kane, ao morrer. E qual é o significado dessa palavra? Que esconde ela? Direi apenas que é algo, ou a imagem de algo, que pode ser tudo, real ou irreal, um sólido, uma gota de água, uma nuvem, algo bonito ou feio, grande ou pequeno, duro ou macio, agradável ou execrável, que um dia nos assombra e para sempre nos condiciona, o cérebro a alma, obrigando-nos a não esquecer o que se perdeu para sempre, o que nunca se conseguiu encontrar. Veja-se o filme!
Pierre Assouline viu o filme e por causa dele tornou-se um biógrafo, um investigador. O seu livro é, pois, o relato das suas buscas para encontrar o rosebud que cada um dos seus biografados, consciente ou inconscientemente, esconde. E eles são: Rudyard Kipling, escritor, Henri Cartier-Bresson, fotógrafo, Paul Celan, poeta, Jean Moulin, político, Lady Diana Spencer, princesa, Picasso, pintor, Pierre Bonnard, pintor..
Bem ou mal, penso, não será rosebud (botão de rosa, em português), apenas, a nossa consciência?
de Pierre Assouline, escritor francês, nascido em Casablanca, em 1953, jornalista, cronista, biógrafo, romancista.
Editado pela Bertrand, com tradução minha e da Helena, minha mulher, um livro que mal olhei para ele, lhe li o título, me fez recordar o filme, Citizen Kane, de Orson Welles, que entre nós se chamou, O mundo a seus pés. Certo é que não foi o mundo que Kane (Orson Welles) teve a seus pés, mas sim os verdadeiros amantes da arte cinematográfica. Mas porquê tal recordação? Porque Rosebud foi a última palavra pronunciada pelo magnata da imprensa americana Charles Foster Kane, ao morrer. E qual é o significado dessa palavra? Que esconde ela? Direi apenas que é algo, ou a imagem de algo, que pode ser tudo, real ou irreal, um sólido, uma gota de água, uma nuvem, algo bonito ou feio, grande ou pequeno, duro ou macio, agradável ou execrável, que um dia nos assombra e para sempre nos condiciona, o cérebro a alma, obrigando-nos a não esquecer o que se perdeu para sempre, o que nunca se conseguiu encontrar. Veja-se o filme!
Pierre Assouline viu o filme e por causa dele tornou-se um biógrafo, um investigador. O seu livro é, pois, o relato das suas buscas para encontrar o rosebud que cada um dos seus biografados, consciente ou inconscientemente, esconde. E eles são: Rudyard Kipling, escritor, Henri Cartier-Bresson, fotógrafo, Paul Celan, poeta, Jean Moulin, político, Lady Diana Spencer, princesa, Picasso, pintor, Pierre Bonnard, pintor..
Bem ou mal, penso, não será rosebud (botão de rosa, em português), apenas, a nossa consciência?
30 de agosto de 2017
TRADUÇÕES: (3)
Manual do Estudante Eficiente, de 1993
de Francisco José Montes
Última tradução das seis que fiz para Livros Horizonte, que, confesso foi a que menos me seduziu.. O autor, madrileno, é doutorado em Comunicação Social e licenciado em Ciências da Imagem, estudou na Escola Técnica Superior de Engenheiros de Telecomunicações, leccionou na Faculdade
de Ciências da Informação e no Instituto Oficial de Rádio e Televisão, e foi director técnico da Universidade Nacional de Educação à Distância. Um currículo de peso que, pode-se deduzir, o capacitou a escrever um manual, sobre as diversas técnicas e métodos de que o estudante, que opta pela cábula em vez do estudo, se pode servir, para tentar obter êxito nos exames e alcançar um grau académico. Um livro de humor cínico, bem ilustrado, que, o autor o diz, tem por objectivo contribuir para um melhor entendimento entre professores e alunos, distraindo-os e divertindo-os.
Pergunto a mim próprio se, na realidade, este manual, a sua leitura, terá levado a alguma aproximação entre professores e alunos? Que divertiu uns e zangou e envergonhou outros, julgo que sim.
de Francisco José Montes
Última tradução das seis que fiz para Livros Horizonte, que, confesso foi a que menos me seduziu.. O autor, madrileno, é doutorado em Comunicação Social e licenciado em Ciências da Imagem, estudou na Escola Técnica Superior de Engenheiros de Telecomunicações, leccionou na Faculdade
de Ciências da Informação e no Instituto Oficial de Rádio e Televisão, e foi director técnico da Universidade Nacional de Educação à Distância. Um currículo de peso que, pode-se deduzir, o capacitou a escrever um manual, sobre as diversas técnicas e métodos de que o estudante, que opta pela cábula em vez do estudo, se pode servir, para tentar obter êxito nos exames e alcançar um grau académico. Um livro de humor cínico, bem ilustrado, que, o autor o diz, tem por objectivo contribuir para um melhor entendimento entre professores e alunos, distraindo-os e divertindo-os.
Pergunto a mim próprio se, na realidade, este manual, a sua leitura, terá levado a alguma aproximação entre professores e alunos? Que divertiu uns e zangou e envergonhou outros, julgo que sim.
29 de agosto de 2017
TRADUÇÕES: (2)
Cartas de Lisboa, 1822, de 1990
de José Pechio
Lisboa, Mítica e Literária, de 1990
de Ángel Crespo
Da mesma colecção, Cidade de Lisboa, de Livros Horizonte, a ambos traduzi e, para deles dar nota, aqui, a ambos os livros reuni.
José Pechio (1785-1835), italiano, nascido em Milão, doutor em Jurisprudência pela Universidade de Pavia, escritor sempre atento à realidade política, social, económica da sua época, um político paladino da liberdade, solidário com os povos que por ela lutavam, que esteve exilado em Lisboa, durante três meses, de 24 de Fevereiro a a 25 de Maio, no ano de 1822, donde escreveu 11 cartas à sua amiga Jenny, Lady O, falando de Lisboa, capital de um país ainda traumatizado pelas invasões francesas, saída de um período revolucionário, uma cidade suja, inculta, atrasada, mas habitada por um povo, acolhedor, simpático, corajoso e bonito.
Ángel Crespo, espanhol, nascido em La Mancha, no ano de 1926, escritor, tradutor, poeta, ensaísta, profundo conhecedor da literatura portuguesa, em particular de Fernando Pessoa, sobre cuja obra teceu cinco ensaios, autor do livro, aqui em questão, sobre a sua amada Lisboa, mágica, histórica, velida, livro que merecia ser lido por todos os lisboetas, senão por todos os portugueses. Alguns já o terão feito. Oxalá!
Ángel Crespo veio a Lisboa para a apresentação do seu livro. Fui-lhe apresentado, solicitei-lhe um
autógrafo e ele teve a gentileza de escrever, desculpe-se-me a imodésta revelação: Para Manuel José Trindade Loureiro, co autor de este texto em una magnifica traductión portuguesa, com la admiración y el agradecimento de Ángel Crespo.
de José Pechio
Lisboa, Mítica e Literária, de 1990
de Ángel Crespo
Da mesma colecção, Cidade de Lisboa, de Livros Horizonte, a ambos traduzi e, para deles dar nota, aqui, a ambos os livros reuni.
José Pechio (1785-1835), italiano, nascido em Milão, doutor em Jurisprudência pela Universidade de Pavia, escritor sempre atento à realidade política, social, económica da sua época, um político paladino da liberdade, solidário com os povos que por ela lutavam, que esteve exilado em Lisboa, durante três meses, de 24 de Fevereiro a a 25 de Maio, no ano de 1822, donde escreveu 11 cartas à sua amiga Jenny, Lady O, falando de Lisboa, capital de um país ainda traumatizado pelas invasões francesas, saída de um período revolucionário, uma cidade suja, inculta, atrasada, mas habitada por um povo, acolhedor, simpático, corajoso e bonito.
Ángel Crespo, espanhol, nascido em La Mancha, no ano de 1926, escritor, tradutor, poeta, ensaísta, profundo conhecedor da literatura portuguesa, em particular de Fernando Pessoa, sobre cuja obra teceu cinco ensaios, autor do livro, aqui em questão, sobre a sua amada Lisboa, mágica, histórica, velida, livro que merecia ser lido por todos os lisboetas, senão por todos os portugueses. Alguns já o terão feito. Oxalá!
Ángel Crespo veio a Lisboa para a apresentação do seu livro. Fui-lhe apresentado, solicitei-lhe um
autógrafo e ele teve a gentileza de escrever, desculpe-se-me a imodésta revelação: Para Manuel José Trindade Loureiro, co autor de este texto em una magnifica traductión portuguesa, com la admiración y el agradecimento de Ángel Crespo.
28 de agosto de 2017
TRADUÇÕES (1)
Espionagem e Contra-Espionagem numa Guerra Peninsular (1640-1668), de 1989
Guerra e Pressão Militar nas Terras de Fronteira (1640-1668), de 1990
do professor Fernando Cortés Cortés, doutor em História Moderna pela Universidade da Estremadura.
História de Espanha, 1992
do historiador francês Pierre Vilar
Três livros, três traduções, que, a convite do meu amigo Rogério Moura, efectuei para a sua editora, LIVROS HORIZONTE.
Entendi não ser despropositado juntar aqui os livros de um e do outro, do professor espanhol e do historiador francês. Os três falam da Península Ibérica, os dois primeiros do conflito entre os dois reinos, Castela e Portugal, o terceiro da Espanha, da sua história.
Pierre Vilar terminou de escrever a sua História de Espanha em 1946 pelo que a tradução aqui referida foi feita a partir das edições, francesa e espanhola, corrigidas e actualizadas, de 1986 e 1988. É uma História, concisa, de síntese, numa visão cronológica, desde o passado mais remoto, que se debruça com mais amplitude para os problemas sociais, económicos e políticos dos séculos XIX e XX, com breves referências ao período em que se desenrolou a Guerra Peninsular, que para a historiografia espanhola é a Guerra de Sublevação Portuguesa e para nós é a Guerra de Restauração, que é praticamente ignorada.
Segundo o professor Cortés, ele o explicita logo de início, a finalidade do seu primeiro livro é o conhecimento das actividades de espionagem e de contra espionagem dos exércitos castelhano e português frente a frente em meados do século XVII, durante um conflito que durou 28 anos e cujas consequências para as populações das terras da fronteira hispano-portuguesa, e não só: destruição,
ruína, miséria, despovoamento, são estudadas no segundo livro.
Ao lê-los, por obrigatória necessidade, mas não a contra gosto, regressei à História, à de Portugal e da Espanha, ao eterno confronto dos dois países, vizinhos, fronteiros, rivais, adversários, irmãos, eternamente ressentidos um com o outro.
Guerra e Pressão Militar nas Terras de Fronteira (1640-1668), de 1990
do professor Fernando Cortés Cortés, doutor em História Moderna pela Universidade da Estremadura.
História de Espanha, 1992
do historiador francês Pierre Vilar
Três livros, três traduções, que, a convite do meu amigo Rogério Moura, efectuei para a sua editora, LIVROS HORIZONTE.
Entendi não ser despropositado juntar aqui os livros de um e do outro, do professor espanhol e do historiador francês. Os três falam da Península Ibérica, os dois primeiros do conflito entre os dois reinos, Castela e Portugal, o terceiro da Espanha, da sua história.
Pierre Vilar terminou de escrever a sua História de Espanha em 1946 pelo que a tradução aqui referida foi feita a partir das edições, francesa e espanhola, corrigidas e actualizadas, de 1986 e 1988. É uma História, concisa, de síntese, numa visão cronológica, desde o passado mais remoto, que se debruça com mais amplitude para os problemas sociais, económicos e políticos dos séculos XIX e XX, com breves referências ao período em que se desenrolou a Guerra Peninsular, que para a historiografia espanhola é a Guerra de Sublevação Portuguesa e para nós é a Guerra de Restauração, que é praticamente ignorada.
Segundo o professor Cortés, ele o explicita logo de início, a finalidade do seu primeiro livro é o conhecimento das actividades de espionagem e de contra espionagem dos exércitos castelhano e português frente a frente em meados do século XVII, durante um conflito que durou 28 anos e cujas consequências para as populações das terras da fronteira hispano-portuguesa, e não só: destruição,
ruína, miséria, despovoamento, são estudadas no segundo livro.
Ao lê-los, por obrigatória necessidade, mas não a contra gosto, regressei à História, à de Portugal e da Espanha, ao eterno confronto dos dois países, vizinhos, fronteiros, rivais, adversários, irmãos, eternamente ressentidos um com o outro.
27 de agosto de 2017
ESCRITOS (8)
Aleksandr Dovjenko, cineasta da Ucrânia Soviética
Bio-filmografia publicada no catálogo, CICLO DO CINEMA CLÁSSICO SOVIÉTICO, da Cinemateca Nacional, evento efectuado de parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, em 1987
Bio-filmografia publicada no catálogo, CICLO DO CINEMA CLÁSSICO SOVIÉTICO, da Cinemateca Nacional, evento efectuado de parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, em 1987
Aleksandr Dovjenko, cineasta da Ucrânia
Soviética
I
Aleksandr Piotrovitch Dovjenko, nome completo dum
artista ucraniano, pintor, escritor, mas, principalmente, cineasta de grande
prestígio.
Não tendo sido, embora, o
introdutor do cinema na Ucrânia, foi, na realidade, o pai do cinema ucraniano,
que, verdadeiramente, nasceu com Zvenigora,
cresceu com Arsenal e atingiu a
maioridade com A terra.
Dovjenko só cinematizou o que ele próprio escreveu e,
para o cinema, ele só escreveu, sobre a Ucrânia, sobre a terra ucraniana, sobre
o povo ucraniano. Nacionalismo extremo? De modo algum! Apenas honestidade de
quem só fala do que conhece e sabe. Aliás, o discurso de Dovjenko foi sempre de
total identificação com a pátria socialista e soviética e, por isso mesmo, ele
foi também um dos mestres incontestados do cinema nascido da revolução.
Dovjenko nasceu há noventa anos,
no dia 11 de Setembro de 1894, em Sosnitsy, pequena aldeia ucraniana, marginal
do rio Desna, na região de Tchernigov, filho de camponeses pobres e iletrados.
Estudou as primeiras letras no
colégio da sua aldeia natal, fez o secundário e frequentou a escola normal dos
professores primários.
Isento do serviço militar devido
à sua saúde delicada, salvou-se da mobilização de 1914.
De 1914 a 1917 foi mestre
escola em Jitomir e depois em
Kiev. Nesta última cidade foi também, e simultaneamente,
aluno da faculdade de Hi stória Natural e do Instituto de Economia Comercial.
Ainda em Kiev, após a retirada
dos polacos que a tinham ocupado em Maio de 1920, durante a guerra
polaco-soviética que só veio a terminar em 18 de Março de 1921
com
o tratado de Riga, Dovjenko participou na organização da secção de Kiev do
Comissariado do Povo para a educação e foi secretário da direcção, dirigindo o
sector urbano. Ao mesmo tempo tornou-se funcionário da administração local da
educação popular.
Em 1921 foi transferido para
Kharkov, para prestar serviço no Comissariado do Povo dos Negócios Estrangeiros.
Kharkov era na altura a capital da República Socialista Soviética da Ucrânia.,
fundada em 25 de Dezembro de 1917 por decisão do I Congresso Pan-Ucraniano dos
Sovietes, em oposição à república proclamada em Kiev, em Novembro do mesmo ano,
pela Rada Central, organização nacionalista da burguesia reaccionária.
Integrado no corpo diplomático,
foi enviado primeiro para Varsóvia e mais tarde para Berlim, onde trabalhou nos
respectivos consulados durante cerca de dois anos.
Em Berlim estudou pintura com o
professor Heckel e quando, em fins de 1923, regressou a Kharkov, dedicou-se à
pintura e ao desenho, tendo sido caricaturista e ilustrador do jornal Visi.
Finalmente, em 1925, então com 31
anos, desgostoso com as fracas audiências que a pintura e o desenho pareciam
atrair, não sabendo nada de cinema, mas obcecado com as imagens animadas vistas, ocasionalmente, abandonou tudo e todos, inclusivamente, a casa onde vivia, e partiu para Odessa.
A reorganização do cinema na Ucrânia após a revolução,
a guerra civil e a intervenção estrangeira, passou pela criação, em 1922, da
Direcção Pan-ucraniana da Fotografia e do Cinema, VUFKU, que construíra em
Odessa, uma pequena cidade onde funcionava o centro da actividade
cinematográfica. Dovjenko não teve dificuldade em ser admitido no seio dos
trabalhadores de cinema e, em 1926, pela primeira vez, inscreveu o seu nome num
filme, como argumentista. Uma comédia intitulada, Vassia o reformador, que se estreou a 17 de Julho. E ainda nesse
ano, em Ialta, já como realizador, filmou uma segunda comédia, também escrita
por si, chamada, O pequeno fruto do amor.
Dois pequenos filmes que ele não incluiu na sua filmografia, o que já não
aconteceu com o terceiro, A mala do
correio diplomático, onde pela primeira e única vez figura entre os
intérpretes, um filme de aventuras, baseado num acontecimento verídico.
Finalmente, a sua quarta
realização, Zvenigora, que ele
sempre considerou ser, verdadeiramente, a sua primeira obra, e sobre a qual
declarou: Zvenigora permitiu-me julgar da
minha capacidade de fazer filmes… Foi o catálogo de todas as minhas
possibilidades de criador. Estreou-se em Kiev, no dia 13 de Abril de 1928,
e em Moscovo, no dia 8 do mês seguinte, e para a qual a VUFKU, insegura quanto
a um filme que ninguém parecia compreender, convidou Eisenstein e Pudovkine,
cuja autoridade no campo cinematográfico era já incontestável. Ambos assistiram
à projecção e foram apresentados àquele
realizador desconhecido. Eisenstein, mais tarde, escreveu um artigo sobre o
acontecimento, que intitulou, O
nascimento de um génio.
Zvenigora é a história da Ucrânia, desde os tempos mais remotos até
à revolução, concebida numa sucessão de episódios, ora fantásticos ora
realistas, repletos de símbolos, alegorias e de pistas. Filme de difícil
leitura para quem não conhecesse, profundamente, a história do país, mas que a
todos se impunha pelo fascínio da sua poesia, do seu lirismo, pelo seu sopro
épico, e muito também pela sua excentricidade, qualidades que, em maior ou
menor grau, irão estar sempre presentes nas obras de Dovjenko.
Nesse ano de 1928, conheceu e
casou com a actriz Iulia Solntseva que se estreara no cinema em 1924 como
protagonista do filme Aelita, baseado no romance homónimo de Alexei Tolstoi,
realizado por Iakov Protazanov. A íntima e profunda colaboração entre ambos vai
durar toda a vida do artista e prolongar-se-à, mesmo, para além dela, pois será
Iulia Solntseva que já depois da morte de Dovjenko, irá dirigir as filmagens
dos três últimos argumentos que ele escreveu e preparou: O poema do mar (1958), Crónica
dos anos de fogo (1961) e O Desna
encantado (1963).
A sua quinta realização, Arsenal, de 1929, é um poema sobre a
revolução na Ucrânia. O principal personagem do filme é o já conhecido, Timoch,
o jovem camponês de Zvenigora. Timoch,
que se tornou guarda vermelho, esteve na guerra de 1914, e que em Janeiro de
1918 é operário e encabeça a greve e insurreição no estaleiro fabril do
Arsenal, em Kiev. A
história dessa greve e dessa insurreição afogadas em sangue, é o principal
episódio do filme. Os operários são chacinados, mas já nada nem ninguém travará
a revolução. Simbolicamente, Timoch, dando o peito descoberto às forças da
repressão, será baleado repetidamente, mas mantém-se de pé, invulnerável,
invencível, vivo.
Tendo-se estreado em 25 de Fevereiro, em Kiev, e em 26
de Março, em Moscovo, Arsenal
suportou bem as
reticências de alguns críticos e ganhou, sem s favores do público. Com ele Dovjenko confirmou todas as esperanças que fizera nascer com Zvenigora.
Filho
do campo e filho extremoso, Dovjenko não podia ignorar a colectivização das
terras ucranianas e foi ela o tema do seu sexto filme, A terra, realizado em Kiev e nessa mesma cidade estreado, no dia 8
de Abril de 1930.
A terra, que foi o seu último filme mudo, é geralmente considerado a sua melhor obra e uma indiscutível
obra-prima, muito embora, também ele, dentro e fora do país, não escapasse às
críticas e incompreensões dos que sobrepunham a retórica política e ideológica
à arte, e Dovjenko tenha sido acusado de idealismo e até de terrorismo.
O jovem camponês Timoch de Zvenigora, que depois de ter sido soldado virara operário em Arsenal, chama-se em A terra, Vassili, trabalha no campo e é
tractorista. O mesmo actor, Semione Svachenko, desempenha essas personagens nos
três filmes e, certamente, não por acaso. Camponês, soldado, operário, tantos e
um só: o jovem revolucionário ucraniano que luta, até à morte, pela vida e
felicidade do seu povo e da sua pátria, no campo de batalha, na fábrica, no kolkhos.
É na organização de um kolkhos, na sua aldeia, que Vassili
trabalha afincadamente até à sua morte, assassinado a tiro por um kulak, e é a emoção e indignação que a
tragédia provoca, que irá despertar os aldeões e empurrá-los, definitivamente,
para a vida colectiva.
A morte é um tema muito constante
e de muito peso nos filmes de Dovjenko. Mas ela, na sua inevitabilidade, nunca
é apresentada como um fim, mas, pelo contrário, anuncia sempre a vinda de algo
de novo e de melhor.
Num artigo necrológico sobre
Dovjenko, da autoria de Ivor Montagu, publicado na revista Sight and Sound, no verão de 1957, diz o crítico com muita
propriedade: Os mortos cobrem os filmes de Dovjenko. Nunca outro artista em qualquer
arte, soube tão bem dilacerar os nossos corações. Mas, em Dovjenko, nenhuma
morte é fútil.
Com, A terra, encerra-se a primeira fase da
actividade cinematográfica de Aleksandr Dovjenko.
II
Em 1931, em viajem pela Europa,
acompanhado pela mulher, Dovjenko, com o seu último filme na bagagem,
apresentou A terra, em Paris, Londres, Berlim, Praga.
O
sucesso foi incontestável, com a fita a ser unanimemente aplaudida, embora a
nível do grande público a aceitação tenha sido claramente limitada pelo advento
do sonoro.
Já após o falecimento de
Dovjenko, em 1958, o filme teve a sua grande consagração ao ser considerado
como um dos doze melhores de todos os tempos. À margem do Festival
Internacional de Cinema que, nesse ano de 1958, decorreu em Bruxelas, durante a
Exposição Universal, levada a efeito na capital belga, um júri de 117
historiadores e críticos ligados ao departamento internacional de pesquisa
histórica cinematográfica,
foi convidado a seleccionar e classificar os trinta melhores filmes de todos os
tempos. O apuramento dos 117 boletins deu origem a uma lista de 609 títulos, da
qual o comité organizador retirou e publicou os doze mais votados. Três eram
soviéticos: O couraçado Potiomkine,
de Serguei Eisenstein, o primeiro, A mãe,
de Vsevolod Pudovkine, o oitavo, A Terra,
o décimo.
Durante os quatro meses e meio
que esteve no estrangeiro, Dovjenko teve ocasião de expor e discutir os
princípios que norteavam o seu cinema. O resumo que deles deu, em Paris, à Revue du Cinema, transcreve-os Jay Leyda no seu Kino-Histoire du Cinema Russe e Soviétique: "Não é a história quem interessa. Considero-a apenas como
o meio mais eficaz de exprimir e de pintar formas sociais importantes. É por isso que trabalho com documentos típicos, aplicando o método de síntese. Os meus heróis, e o seu comportamento são representativos da classe
o meio mais eficaz de exprimir e de pintar formas sociais importantes. É por isso que trabalho com documentos típicos, aplicando o método de síntese. Os meus heróis, e o seu comportamento são representativos da classe
a que pertencem. Por vezes a
documentação dos meus filmes está concentrada em alto grau e ao mesmo tempo,
faço--a passar pelo prisma da emoção que lhe dá vida e, por vezes, eloquência.
Não posso ficar indiferente perante esses documentos. É necessário amar, ou
odiar, muito e com força; sem isso uma obra fica seca e dogmática.
Regressado à Ucrânia, Dovjenko
pensava, para o seu primeiro filme sonoro, nma história passada no Ártico, nas
regiões polares, que, no entanto, não teve aceitação. Os estúdios de Kiev
propuseram-lhe, antes, um filme sobre a industrialização o que o levou a
escrever um argumento cujo pano de fundo era a construção da barragem do
Dniepr. O filme chamou-se, Ivane, e
foi estreado em Moscovo, no dia 6 de Novembro de 1932, no âmbito das
comemorações do 15º aniversário da Revolução de Outubro.
O fio do cenário é extremamente simples, o jovem
Ivane, camponês vigoroso, bem parecido e analfabeto, sai da sua aldeia e é
recrutado para ir trabalhar na construção de um barragem onde vai ser instalada
uma central hidro-eléctrica. Transformando-se, gradualmente, num operário,
Ivane vai tomando consciência da sua ignorância e resolve dedicar-se ao estudo,
para assim vir a ser, verdadeiramente, senhor do seu destino. Ivane é assim o
símbolo de todo o povo, o povo soviético, a lutar e trabalhar pelo seu futuro.
Mas a narrativa fílmica saiu complexa e difícil de seguir, muito ao estilo
habitual de Dovjenko: despreocupação no desenvolvimento do enredo básico, com
muitos cortes, interrupções e desvios, com episódios que, aparentemente, mas só
aparentemente, nada têm com a acção principal, e grande relevo dado ao
movimento das grandes ideias e à dinâmica dos processos sociais, através de
cenas exteriores de grande amplitude e beleza.
O filme foi considerado um
falhanço e criticado com alguma incompreensão, o que levou Dovjenko a virar as
costas ao mau ambiente que o rodeava em Kiev, e a abalar para Moscovo, trocando
a Ukraniafilm pela Mosfilm.
Aos estúdios moscovitas Dovjenko
começou por propor a realização de um filme sobre o Tsar, uma tragicomédia sobre
a agonia do tsarismo russo, a degeneração da família Romanov e as intrigas da
corte imperial, mas a proposta não teve acolhimento. A alternativa que lhe foi
oferecida, uma fita sobre a 1ª Grande Guerra, foi por sua vez recusada. Mais
tarde nasceu a ideia de um filme sobre a Sibéria, baseado num cenário escrito
por Aleksandr Fadeiev, que Dovjenko comentou com Vichnevski com quem,
entretanto, estabelecera traços de amizade. Avançou com a ideia, mas para a
fazer vingar viu-se na necessidade de recorrer ao próprio Estaline, a quem
escreveu, que o chamou ao Kremlin, ouviu-lhe a exposição e deu o seu acordo ao
projecto siberiano.
Partiu para o Extremo Oriente, em
Setembro de 1933, e por lá andou durante cerca de quatro meses. O material
recolhido levou-o a repensar todo o cenário e a desistir de Fadeiev. Regressado
a Moscovo escreveu em dois meses e meio o argumento de, Aerograd. O oriente, belo, exótico e rico, era também um dos pontos
mais vulneráveis da União Soviética. A memória da guerra com o Japão ainda
estava muito viva, Vladivostok só fora libertada em 1922, e os japoneses
ocupavam agora a Manchúria, a ser transformada em base militar de
agressão.
Dovjenko pensava e, expressamente, o declarou no
encontro nacional dos cineastas, em 1935, que haveria guerra, dentro de poucos
anos, e que era necessário preparar as armas para a batalha. Aerograd, estava na linha dos filme chamados de defesa. Ele tinha de retratar não o oriente de ontem ou de hoje, mas o de amanhã. E assim foi concebido e assim nasceu, repleto de sonhos, avisos e pressentimentos. A cidade utopia, a cidade aérea do futuro a construir no deserto siberiano.
A estreia verificou-se a 6 de Novembro de 1935.
Polémico como vinham sendo todos os seus filmes, provocou o tipo de reacções
contraditórias que, de nenhum modo, desagradavam a Dovjenko. Ele, aliás,
sentia-se agora muito mais seguro com o seu prestígio bem firmado, após ter
sido agraciado com a Ordem de Lenine, em Fevereiro desse ano, em sessão do
Soviete Supremo dedicada aos trabalhadores de cinema. Nesse dia ficou
determinado qual seria o seu futuro filme, quando Estaline mostrou interesse
por um Tchapaiev ucraniano e lhe
sugeriu o nome de Chtchors.
A recolha de material começou
ainda durante as filmagens de Aerogard.
Ele começou por desejar que Vichnevski, escritor de temas militares, escrevesse
o cenário, para mais, tendo tomado parte na guerra civil da Ucrânia. Mas, como
sempre, acabou por querer ser ele próprio a fazê-lo. Regressou a Kiev, aos
estúdios Ukraniafilm, mas agora com uma autoridade que antes não tinha, como
director artístico, impondo a sua personalidade e as suas convicções, atencioso
para quem tinha talento, intolerante para quem o não tinha ou para quem o
cinema era apenas um modo de ganhar dinheiro.
Chtchors foi um parto deveras difícil. Toda a gente parecia saber
melhor do que ninguém o que o filme devia e não devia ser, inclusive o próprio
Estaline, inicialmente extremamente aberto, mais tarde perigosamente
desconfiado. Mas Dovjenko, que fez, desfez e refez o cenário que levou onze
meses a escrever, e que prolongou as filmagens por vinte meses, resistiu às
pressões, até ao medo de ter sido acusado de conspirador nacionalista. O seu
Nikolai Chtchors, herói ucraniano, chefe dos guerrilheiros que lutaram contra
os ocupantes alemães e os traidores da Petliura, não foi deturpado ou
desumanizado, muito embora se lhe possa apontar o ser, por vezes, demasiado
positivo.
Chtchors é um filme extremamente bem construído, coerente, sentido,
sem devaneios ou inúteis desvios, por vezes romântico, por vezes lírico, quase
sempre épico, com uma portentosa sequência inicial, absolutamente antológica do
cinema dovjenkiano. Uma obra prima do realismo socialista, um clássico do
cinema soviético.
Estreou-se
no dia 1 de Abril de 1939, em Kiev, e no dia 1 de Maio desse mesmo ano, em Moscovo. Foi a última
realização de Dovjenko antes do desencadear da guerra.
III
Na madrugada do dia 1 de Setembro
de 1939, às 4h.45m, as tropas da Alemanha Nazi invadiram a Polónia. Começava, assim,
a II Grande Guerra Mundial, que só terminaria seis intermináveis e terríveis
anos mais tarde.
Dirigida por um governo
reaccionário, encostado a um exército afastado do povo, a Polónia estava
praticamente vencida em meados desse mesmo mês, apesar do indesmentível,
heroísmo, coragem e capacidade de resistência bem demonstrada por algumas
unidades militares e pela população civil.
Perante o avanço impetuoso e
ameaçador dos invasores alemães, o exército soviético, em defesa das fronteiras
do seu próprio país e salvaguardadas regiões
e populações ocidentais da Ucrânia e da Bielorrússia que, após a guerra
civil que sucedeu à revolução de Outubro, tinham ficado sob o domínio da
burguesia capitalista e latifundiária polaca, invadiu, por sua vez, a Polónia e
ocupou esses territórios. Hitler, apanhado de surpresa e ainda inseguro da sua
força, aceitou, na altura, o inesperado revés.
No mês seguinte, em Outubro de
1939, na Ucrânia Ocidental e na Bielorrússia Ocidental, realizaram-se eleições para as assembleias populares, as quais instauraram o poder dos sovietes e pediram a sua integração na URSS, passando a fazer parte dos povos soviéticos.
A evocação de tais acontecimentos
justifica-se pelo facto de Dovkenko, que os seguiu atentamente, se ter
deslocado oficialmente à Ucrânia libertada e sobre eles ter realizado um
documentário, a partir de um guião da sua autoria, que incidia principalmente
na reunificação ucraniana. Ao filme que ele próprio montou, chamou-lhe Libertação.
Em 1940, Dovjenko anunciara no Izvestia de 1 de Junho,
a sua intenção de realizar um filme sobre Tarass Bulba. A redacção do cenário,
interrompida com a montagem de Libertação,
terminou-a ele três semanas antes do traiçoeiro ataque dos alemães e o filme
nunca chegou a ser rodado.
O ataque das forças nazis
verificou-se na madrugada do dia 22 de Junho de 1941. Na manhã desse dia,
estupefactos, os soviéticos ouviram Molotov anunciar na rádio, a perfídia sem precedentes na história das
nações civilizadas. O geral atordoamento em que ficou o país, não
impeditivo embora da coragem e estoicismo com que foi resistindo ao inimigo, só
verdadeiramente abrandou quando alguns dias depois, a 3 de Julho, Estaline,
finalmente, se dirigiu aos seus concidadãos: Um grave perigo pesa sobre a nossa pátria… O exército e a marinha assim
como todos os cidadãos devem defender cada palmo do território soviético, lutar
até à última gota de sangue pelas
nossas cidades e aldeias…
Seguindo o exemplo de todas as camadas sociais e
profissionais da população, os cineastas, na frente e na retaguarda, com maior
ou menor continuidade, com mais ou menos dificuldades e perigos, cerraram
fileiras, mobilizaram recursos, e ergueram uma cinematografia de guerra de
grande eficácia, altamente vigorosa, fortemente mobilizadora e moralizante, não
só no âmbito das actualidades e documentários, como nos filmes de ficção.
Devido à invasão os estúdios
cinematográficos das zonas europeias foram evacuados para as repúblicas
asiáticas. A Mosfilm e a Lenfilm instalaram-se em Alma-Ata e os estúdios
ucranianos em Tachkent e Achkabad. Dovjenko não acompanhou a evacuação do
estúdio de que era director artístico, recusando essa espécie de exílio, embora
não ficasse em Kiev onde o seu apartamento foi saqueado e dinamitado. Conseguiu
ir para a frente como correspondente de guerra, tendo-lhe sido dada a patente
de coronel. Os seus artigos invadiram a pouco e pouco todos os jornais do país,
relatando recuo das forças soviéticas, assim como, mais tarde, o volta-face, a
desforra, a vitória.
Os anos de guerra foram, para
ele, de grande produção literária. Escreveu artigos, contos, novelas, peças de
teatro, cenários de filmes. São desse período, para além de muitos outros
textos: Alto, espera morte (1941), Ucrânia em chamas (1942), A noite antes da batalha (1942), A mãe Stoiane (1943), A vitória (1943), Mitchurine (1944) e Crónica
dos anos de fogo (1945), sendo que estes dois últimos iriam dar origem a
dois filmes.
Termino Mitchurine. Quanto mais escrevo, mais penso sobre o que escrevi
e mais gosto deste homem… identifico-me com ele, que me seja desculpada uma tal
comparação. São palavras de Dovjenko, lançadas, em 22 de Novembro de 1944,
no seu Diário, onde no ano seguinte, a 17 de Julho, escrevia: Li a "Crónica dos anos de fogo" no
departamento dos cenários… deixou uma excelente impressão.
O único estúdio de cinema que frequentou durante a
guerra foi o Estúdio Central de Actualidades. Dele saíram os dois documentários
de guerra que figuram na sua filmografia:
A luta pela
nossa Ucrânia Soviética
(1943) e Vitória na Ucrânia
e
expulsão dos alemães das fronteiras da
Ucrânia Soviética (1945). São duas
obras de responsabilidade colectiva, mas têm a sua marca e são o seu testemunho
sobre a guerra.
Ele
teve, aliás, ocasião, na altura, de falar sobre a sua experiência de
documentarista: Precisávamos de planos
que mostrassem a lama, o género de planos que os realizadores evitam, não sem
discutir com os operadores. Só por si
essas imagens nada significavam, mas através da sua ligação enchiam-se
de significado na medida em que queríamos mostrar os obstáculos com que a nossa
ofensiva de 1944 deparou na margem esquerda ucraniana. Agora são acompanhadas
de um comentário que recorda como esses espaços infinitos foram lavados com o
sangue do nosso povo como os campos pelas chuvas primaveris como eles viram
decidir-se o destino da humanidade, pois foi aqui que a arte militar alemã foi
vencida, foi aqui que a libertação da Europa foi assegurada. Assim estes vastos
lençóis de lama surgem-nos cheios de valor. Não temos nenhuma necessidade de
ênfase para exprimir uma emoção profunda, o patético pode ser dado não por
gritarias mas por documentos reunidos com arte e com sinceridade.
IV
Terminada a guerra, Dovjenko instalou-se em Moscovo. Seu pai
morrera brutalizado pelos alemães,
apesar da sua idade avançada, a mãe trouxe-a de Kiev onde a encontrara vivendo
em condições infra-humanas. Restavam-lhe cerca de 11 anos de vida.
Como foi possível que durante
esse último período da sua existência só tivesse realizado um filme, Mitchurine?
Mitchurine foi, primeiro, uma peça de teatro intitula, A vida entre flores, cuja estreia se
verificou em 1946. Do caderno de apontamentos deixado por Dovjenko, pode
ler-se: 2-4-46. No dia 29 de Março li
"A vida entre flores" na União de Escritores… Três horas de leitura.
As pessoas escutaram como hipnotizadas. Somente no fim reparei como todas estavam
excitadas e comovidas…. Aplaudiram-me largamente… Senti-me no entanto muito
triste. Havia em tudo aquilo algo que se assemelhava a uma demonstração. As
pessoas que estavam à minha frente… regozijavam-se porque eu não me tornara um
impotente mental, um lacaio, porque eu não amaldiçoara o universo.
Mitchurine, só depois
foi um guião e, mais tarde, um filme, o seu primeiro e único filme a cores, e o
seu último filme. Estreou-se no dia 1 de Janeiro de 1949, após uma rodagem
iniciada em 1947 que deparou com imensos escolhos. A primeira versão,
fundamentalmente lírica, recebeu críticas severas e deu origem a uma segunda
versão, mais convencional, mais oficial, que, de certo modo, Dovjenko
desprezou.
Mitchurine é um filme biográfico, que foca a figura do agro-biólogo
russo, Ivane Vladimirovitch Mitchurine (1855-1935) que, após a revolução de
Outubro e graças ao que lhe foi concedido pelo governo, pôde dedicar toda a sua
vida à investigação. As suas teorias foram, mais tarde retomadas, desenvolvidas
e divulgadas por outro cientista, Trofime Demissovitch Lissenko, e foi a
polémica que estalou à volta de Lissenko e dos seus trabalhos, dentro e fora da
União Soviética, de cunho científico, mas também ideológico e político, que
constituiu o factor altamente perturbador que tanto afectou a realização do
filme, que de um momento para o outro se transformou no centro de preocupações
e interesses que pouco ou nada tinham a ver com a arte cinematográfica.
Mitchurine saiu, pois, um filme desequilibrado, com sequências cuja
beleza e pujança honram o seu autor e cenas intervalares que, por retóricas e
vulgares,
denunciam
a sua ausência e desinteresse. E se o filme saiu como saiu, Dovjenko, por seu
lado, não saiu com uma imagem mais desanuviada do que aquela que já tinha.
Leia-se, por exemplo, o que escreveu no seu caderno de apontamentos: 10-8-53. A perversidade de Béria, indiscutivelmente
um fácies sinistro e repulsivo do nosso tempo. Recordo-me do seu rosto
diabólico quando me chamou para um severo, terrível julgamento, a propósito de
algumas frases infelizes, inexactas, que tinham sido insinuadas, segundo o
próprio Estaline, no meu cenário "Ucrânia em chamas".
Não admira, pois, que após Mitchurine, tenham sido recusados todos os seus projectos
cinematográficos. Inclusive, um filme cuja realização, segundo parece, chegou a
iniciar, foi interrompido e nunca chegou a ser visto: Adeus, América. Dedicou-se, então, ao ensino e à escrita.
Entre 1950 e 1954, escreveu, pelo
menos, três cenários: A abertura do
Antártico, baseado no diário de Thadeus Bellinghausen (1819); Nos confins do cosmos, relato de uma
viagem interplanetária; O Desna
encantado, uma autobiografia da sua infância; e uma peça de teatro, Os descendentes dos Cossacos-Zaparogues.
E foi mantendo em dia o seu caderno de apontamentos: Faço hoje sessenta anos… se sinto amargura? Não. O céu está puro e o ar
transparente. Bendigo a vida grande e bela que me deu tais presentes. Hoje amo
todos os homens. Amo o meu governo, amo o meu partido e trago comigo o seu
significado, os seus fins, o seu dever perante o mundo. Com um amor fervente
amo o povo do meu país. Muitas tempestades se apagaram do meu coração, só uma
ficou para sempre, a paixão ética. E por isso bendigo o meu destino e a minha
época.
Finalmente, entre 1954 e 1956, iniciou a minuciosa
preparação de um novo filme: O poema do
mar. Naquela que foi a sua última entrevista, dada a Georges Sadoul,
revelou que o filme era o último de uma trilogia, a história da construção de
uma barragem cujas águas submergem uma aldeia. Começava, pois, pelo fim. A
primeira parte decorreria em 1930, durante a colectivização. E a segunda
trataria da resistência dos habitantes da aldeia face aos alemães durante a
Grande Guerra.
Na véspera do dia marcado para
dar início à rodagem, o coração de Dovjenko deixou de bater. Era o dia 26 de
Novembro de 1956.
Não foi inesperada a crise
cardíaca que o vitimou, pois o seu coração há muito que vinha falhando, mas a
sua morte nem por isso deixou de ser amarga e dolorosamente sentida e chorada
por todos os que conheciam e amavam o artista e, mais amplamente por todos os
que conheciam e amavam a sua obra.
Foi um crime lesa cinema o
destino não lhe ter permitido a realização de O poema do mar. Muito embora a sua mulher, Iulia Solntseva, ao
realizá-lo, tenha conseguido um belíssimo trabalho, de uma integral fidelidade
à letra e ao espírito do autor, O poema
do mar, de Dovjenko, ficou
perdido para sempre.
Iulia Solntseva realizou ainda
duas outros obras de Dovjenko: Crónicas
dos anos de fogo (1961) e Desna
encantado (1963), numa linha de pensamento e acção sempre
intransigentemente fiel à escola de Dovjenko. Foi uma das mais importantes
homenagens à memória do artista, a juntar ao prémio Lenine, atribuído a título
póstumo em 1959, e a determinação de dar aos estúdios de Kiev o nome de
Aleksandr Dovjenko.
Sonhei com a realização de uma
retrospectiva integral da obra cinematográfica de Dovjenko. Foi apenas um
sonho!
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