17 de fevereiro de 2018

DÚVIDAS

As dúvidas são minhas, naturalmente, e nasceram ao ler o artigo de Rui Tavares, intitulado Elegia por Hugo Soares, saído no jornal Público do passado dia 16. Rui Tavares, historiador, fundador do Livre, é cronista quinzenal do jornal e, na minha opinião, desde já o digo, os seus artigos, sempre pertinentes, são merecedores de atenta e boa leitura, mesmo quando a concordância não seja total.
No artigo a que me refiro, Rui Tavares estranha o acontecido no PSD com o líder parlamentar e discorda com o que se passa na Assembleia da República com a contagem de votos.
A estranheza é com o facto da mudança do líder partidário ter implicado, segundo ele, a mudança automática do líder parlamentar, escolhido há poucos meses pelos deputados, e com o facto de muita gente (não toda, certamente, como escreveu) achar normal e natural que tal acontecesse. Rui Tavares entende que é o grupo parlamentar que deve estar à disposição dos deputados e que é o partido que deve estar à disposição do grupo parlamentar, não o contrário. Mas, na verdade, a mudança não foi automática, não há nenhuma norma a impô-la, e Hugo Soares só se demitiu, por sua iniciativa, depois de ter falado com Rui Rio. E é natural e normal que este preferisse alguém da sua confiança, do seu parecer, da sua maneira de ser e estar, alguém que partilhasse das suas ideias ( segundo julgo Hugo Soares, cuja actuação foi tudo menos brilhante, votou em Santana Lopes) à frente do grupo parlamentar, não sendo ele sequer deputado. E é discutível que seja, taxativamente, o partido a estar à disposição do grupo parlamentar.
Segundo Rui Tavares, o que é uma verdade já por ele explicada, em crónicas anteriores, na Assembleia da República, há resoluções e projectos de lei a serem chumbados com uma maioria de votos a favor ou aprovados com uma maioria de votos contra porque os votos dos deputados ausentes são contados creditando-os aos respectivos grupos parlamentares. Rui Tavares discorda da prática e eu também, mas não discordaria (e não sei se tal acontece ou não, e não sei se tal seria viável ou não) se: I - Os deputados faltosos fossem obrigados a justificar, responsavelmente, o motivo ou motivos da sua ausência.  II - Os deputados faltosos fossem obrigados a expressar, antecipadamente ou não, o seu sentido de voto quanto às resoluções e projectos de lei a irem a votos.
Assim já não haveria motivo para reparos. 

12 de fevereiro de 2018

ASSÉDIOS

Embora, não há muito, tenha sido um assunto bastante noticiado, nunca me senti tentado a fazer    qualquer comentário sobre ele. Até que a comunicação social, a TV e os jornais, relatando a ida do escritor Lobo Antunes a Belém, a convite do Presidente da Republica, que o apelidou de génio, para uma conversa com alunos do secundário, deu ênfase ao facto do escritor, durante a dita conversa, sem dúvida relevante, ter confidenciado que, como estudante, fora assediado sexualmente por um seu professor de moral. Evidentemente, que não assisti nem, portanto,  ouvi a palestra e, pelo que li,  pouco ou nada fiquei a saber sobre o episódio, mas a verdade é que a badalada notícia provocou-me a memória e esta, implacável, levou-me à minha juventude, ao meu tempo de estudante do secundário. É que também eu, na altura, fui alvo de assédio, duas vezes, embora ambas de contornos diferentes. Ao fim e ao cabo, mesmo sem genialidade, por que não, também eu. recordá-los e revelá-los?
Era domingo, teria eu 7 ou 8 anos, e vivia com os meus avós paternos. A avó estava adoentada e o avô ainda não tinha regressado duma viagem de trabalho pela província. Uma senhora chamada Virgínia, amiga da avó, que era de Peniche, fazia e vendia rendas de bilros, e estava, temporariamente, em nossa casa, ao sair para ir à missa, era uma convicta beata, convenceu-me a acompanhá-la. Ia ser a minha primeira missa, que não a única, mas desde já digo que, durante toda a minha vida, as vezes que já assisti a uma missa podem bem contar-se pelos dedos de uma mão. Sou cristão porque me baptizaram em bebé, mas não sou religioso, não sou crente, absolutamente. Fomos à Basílica da Estrela, estava cheia, já não havia lugares sentados. Ficámos em pé, eu. dois a três passos atrás da Virgínia. Passado um bocado, enquanto distraído olhava para as movimentações do padre e do sacristão, alguém ao meu lado, um tipo de meia idade, pouco mais alto do que eu, foi-se encostando a mim. Senti a sua mão no braço, nas costas, na coxa, e, de repente, fui apalpado entre as pernas. Sobressaltado, assustado, soltei-me com brusquidão e, sem olhar para o maluco, assim o considerei, fui agarrar-me à Virgínia que, ignorando o que acontecera, pediu-me para estar sossegado porque já não faltava muito. Mantive-me a seu lado até ao fim, sem me voltar. Não lhe contei nada, nem a ela nem, depois, em casa, mas durante alguns dias senti-me inquieto e confuso. Quem era e o que queria aquela tipo?
Outra vez um domingo, dez anos depois, a avó já falecera, vivia eu só^com o avô. Saí para ir ao futebol, ao Benfica, que jogava em casa, na chamada "estância da madeira", no Campo Grande, perto do campo do Sporting. Fui apanhar o carro eléctrico à Avenida que já vinha apinhado. Quem me pôs lá
dentro, ou melhor, nos pôs, foi uma mulher ainda nova, dos seus trinta anos, resoluta, descarada, sem cerimónias, que apareceu apressada atrás de mim. Acomodámo-nos a um canto da plataforma traseira
por onde, então, se entrava. Agradeci-lhe a ajuda e ela piscou-me o olho. Sentia-lhe o corpo bem junto ao meu e não ousava mexer-me, mas ela chegava-se sem pudor e as suas mãos começaram a explorar-me. Descontraí, ajeite-me e entreguei-me às ditas, fingindo não ver, envergonhado, alguns sorrisos à minha volta. Foi uma viagem para esquecer, que não esqueci. Ela saiu uma paragem antes do
Campo Grande, com um sorriso provocador e convidativo. Desconcertado, apatetado, deixei-a ir. Ao sair, na paragem seguinte, olhei à volta, mas já era tarde. E fui para o futebol, recriminando-me pela timidez. 
Há assédios e assédios, naturalmente, mas quem é que nunca foi assediado, quem é que nunca assediou?         

8 de fevereiro de 2018

Uma barbaridade!

Sim, barbaridade, é o mínimo que lhe posso chamar. Não lhe pertenço, nem por ela tenho grande simpatia, mas sejamos justos, não foi propriamente a Igreja, como anuncia o jornal Público, mas um dos seus membros, o cardeal patriarca de Lisboa, que lançou o conselho: católicos recasados, vivam  em abstinência sexual . Ou seja, casal recasado, vivam como irmãos, de preferência em camas separadas, porque o diabo tece-as. Senhor cardeal, sem dúvida que muitos dos seus iguais, e muitos dos seus apaniguados, muita Igreja, estará consigo, mas e Deus? Será que Deus, se existisse, o elogiaria? Problema seu, naturalmente! Mas, senhor cardeal, atenção, o seu conselho tem algo de lesa pátria, de traição à pátria. Porquê? Por que a população portuguesa tem diminuído, há mais falecimentos do que nascimentos, e o conselho aos casais recasados de não acasalarem, de praticarem  abstinência sexual, agrava o problema. Senhor cardeal, cuide-se, porque o M.P., desesperado, anda numa de "caça à multa".