12 de fevereiro de 2018

ASSÉDIOS

Embora, não há muito, tenha sido um assunto bastante noticiado, nunca me senti tentado a fazer    qualquer comentário sobre ele. Até que a comunicação social, a TV e os jornais, relatando a ida do escritor Lobo Antunes a Belém, a convite do Presidente da Republica, que o apelidou de génio, para uma conversa com alunos do secundário, deu ênfase ao facto do escritor, durante a dita conversa, sem dúvida relevante, ter confidenciado que, como estudante, fora assediado sexualmente por um seu professor de moral. Evidentemente, que não assisti nem, portanto,  ouvi a palestra e, pelo que li,  pouco ou nada fiquei a saber sobre o episódio, mas a verdade é que a badalada notícia provocou-me a memória e esta, implacável, levou-me à minha juventude, ao meu tempo de estudante do secundário. É que também eu, na altura, fui alvo de assédio, duas vezes, embora ambas de contornos diferentes. Ao fim e ao cabo, mesmo sem genialidade, por que não, também eu. recordá-los e revelá-los?
Era domingo, teria eu 7 ou 8 anos, e vivia com os meus avós paternos. A avó estava adoentada e o avô ainda não tinha regressado duma viagem de trabalho pela província. Uma senhora chamada Virgínia, amiga da avó, que era de Peniche, fazia e vendia rendas de bilros, e estava, temporariamente, em nossa casa, ao sair para ir à missa, era uma convicta beata, convenceu-me a acompanhá-la. Ia ser a minha primeira missa, que não a única, mas desde já digo que, durante toda a minha vida, as vezes que já assisti a uma missa podem bem contar-se pelos dedos de uma mão. Sou cristão porque me baptizaram em bebé, mas não sou religioso, não sou crente, absolutamente. Fomos à Basílica da Estrela, estava cheia, já não havia lugares sentados. Ficámos em pé, eu. dois a três passos atrás da Virgínia. Passado um bocado, enquanto distraído olhava para as movimentações do padre e do sacristão, alguém ao meu lado, um tipo de meia idade, pouco mais alto do que eu, foi-se encostando a mim. Senti a sua mão no braço, nas costas, na coxa, e, de repente, fui apalpado entre as pernas. Sobressaltado, assustado, soltei-me com brusquidão e, sem olhar para o maluco, assim o considerei, fui agarrar-me à Virgínia que, ignorando o que acontecera, pediu-me para estar sossegado porque já não faltava muito. Mantive-me a seu lado até ao fim, sem me voltar. Não lhe contei nada, nem a ela nem, depois, em casa, mas durante alguns dias senti-me inquieto e confuso. Quem era e o que queria aquela tipo?
Outra vez um domingo, dez anos depois, a avó já falecera, vivia eu só^com o avô. Saí para ir ao futebol, ao Benfica, que jogava em casa, na chamada "estância da madeira", no Campo Grande, perto do campo do Sporting. Fui apanhar o carro eléctrico à Avenida que já vinha apinhado. Quem me pôs lá
dentro, ou melhor, nos pôs, foi uma mulher ainda nova, dos seus trinta anos, resoluta, descarada, sem cerimónias, que apareceu apressada atrás de mim. Acomodámo-nos a um canto da plataforma traseira
por onde, então, se entrava. Agradeci-lhe a ajuda e ela piscou-me o olho. Sentia-lhe o corpo bem junto ao meu e não ousava mexer-me, mas ela chegava-se sem pudor e as suas mãos começaram a explorar-me. Descontraí, ajeite-me e entreguei-me às ditas, fingindo não ver, envergonhado, alguns sorrisos à minha volta. Foi uma viagem para esquecer, que não esqueci. Ela saiu uma paragem antes do
Campo Grande, com um sorriso provocador e convidativo. Desconcertado, apatetado, deixei-a ir. Ao sair, na paragem seguinte, olhei à volta, mas já era tarde. E fui para o futebol, recriminando-me pela timidez. 
Há assédios e assédios, naturalmente, mas quem é que nunca foi assediado, quem é que nunca assediou?         

1 comentário:

Miss Lady disse...

Loirinho, de olhos verdes, ainda por cima...