8 de fevereiro de 2021
MANOJAS, a divagar e recordar
Detesto máscaras, detesto esconder-me, detesto escondidas. Sabem ao que me refiro. Faz sentido? Mas tenho de as usar, devo usá-las, uso-as, embora não tenha boas orelhas para elas, sobrecarregadas com as hastes dos óculos, já para esquecer os incómodos aparelhecos auditivos. Sim, oiço mal. Paciência. Detesto máscaras. Mas se assim é …! Alto e para o baile, não, o Manojas não é uma máscara. Eu sou ele, ele sou eu. O Manojas é o balbuciar infantil do meu nome: Manuel José. Era pelo menos assim que os meus priminhos me chamavam, e já todos me tratavam. Que saudades dessa infância feliz, mas que foi tão breve, mesmo muito breve. Adiante! O Manojas, sim, sou eu. Dele, de nós dois, são: o que penso, falo, digo, escrevo, oiço, leio. Embora: certo é que, ler?, já leio pouco, muito pouco, e, cada vez mais, só os livros que já li, os meus, tantos, credo. Diariamente só o jornal, o Público, e semanalmente, o Expresso, e ambos com algum desagrado e muitas reservas. A calúnia, a mentira, a deturpação, o partidarismo politiqueiro, campeiam na comunicação social; certo é que, ouvir?, e bem, até é desagradável quando, ao abrir a televisão na hora dos noticiários, e surge o presumido Rodrigues dos Santos, (ele é o pior), excitado e gritante, a massacrar-nos, assustar-nos, entristecer-nos, com as desgraças da epidemia. Acabo sempre por saltar para o Mezzo; certo é que, escrever?, já só o que o Manojas vem para aqui desabafar; certo é que, dizer? falar?, que dizemos e falamos, nós, a Helena e eu, confinados uma eternidade, evitando queixas, lamentos, tristezas, senão das trivialidades do dia a dia? certo é que, pensar?, claro que penso, muito, cada vez mais a fugir para o divagar, e cada vez mais, divagando, a fugir para o passado, para o meu, para o dos meus, irresistivelmente.
Não juro, mas que eu saiba, que eu desse por isso, tive sete primos, dois do lado materno, ou melhor, duas: a Nita e a Lisete, e cinco do lado paterno: o Luís, o Carlos José, e três Marias, a Isabel, a do Carmo e a Teresa. A Nita e a Lisete eram meio brasileiras, pela mãe, e meio ingleses pelo pai. A minha tia Ilda, filha do primeiro casamento da minha avó Anália com um brasileiro, era casada com um rapaz de origem inglesa, o tio Gastão, que era telegrafista num navio português de passageiros. O tio Gastão que durante a guerra, foi suspeito de comunicar com os alemães, o que levou os ingleses a abordarem o navio e a levá-lo para Inglaterra. Mas nada se provou, não foi fuzilado e no fim da guerra voltou para o seio da família, para Portugal. Muito antes desse triste episódio, a prima Lisete e eu, muito chegados, com 3, 4 anos, andávamos sempre abraçados. Ela era a minha preferida, eu era o preferido dela. Ficámos por aí. A Isabel era a mais velha de nós. Não terá tido uma vida muito feliz, com uma mente fechada e obsessiva, uma paixão falhada. Foi, contrafeita por razões familiares, minha testemunha de casamento. Não teve coragem de recusar o convite, compareceu à hora no registo, fez o seu testemunho e desandou. Ficámos tristemente desavindos. O primo Luís, irmão da Isabel, um doidivanas que se tornou um vigaristazinho (desculpa lá ó primo), um dia, numa manhã ensolarada, estávamos de férias em Setúbal, em casa dos tios Calé, fomos a Troia, e à chegada, atirou-me borda fóra do barco onde íamos, para me tirar o medo do mar e obrigar-me a nadar (justificações dele). E lá fui a gritar e a esbracejar até ter pé. A praia estava perto e não me afoguei. Maluquices. O primo Carlos José, que tinha apenas menos alguns meses de idade, era o meu grande companheiro de brincadeiras. Devorávamos o Salgari e eramos, ora eu, ora ele, o Sandokan ou o Corsário Negro. Teria 14, 15 anos quando partiu com o pai, a madrasta, e as duas irmãs, a Maria do Carmo e a Maria Teresa, para África, para a “nossa” Angola. O tio Calé tinha para lá umas empresas, julgo que de conservas de peixe, a precisar de melhor gestão. Durante algum tempo fomo-nos correspondendo e ele foi-me contando o seu excitante princípio de crescimento e desenvolvimento. Ó, que jovens, obedientes, apetecíveis e disponíveis pretinhas por lá haveria, para o jovem português. Mas o silêncio veio cedo e definitivo. Foi o último da família a regressar, muitos anos depois. Já não era o mesmo, era outro. Ignorou-nos a todos, sem excepção. Isolou-se. Jamais o voltei a ver. Um mistério. Das irmãs, das minhas primas, pouco tenho a recordar. A Teresa, a mais nova de nós, é, assim o creio e desejo, além de mim, a única que ainda está viva. Telefonei-lhe no Natal, estava bem. E basta, por aqui me fico. E sim, têm toda a razão, p’ró que me havia de dar. Já escreveste melhor, disse-me a Helena com intenção, sem dó nem piedade. A idade não perdoa, pensei. Que novidade dei a mim próprio!
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3 comentários:
Que delícia!
Vou ler este "conto" no próximo fim de semana, no Instagram :)
Bom, bom. Isto com jeitinho dava dois ou três romances. A bisavó chamava-se mesmo Anália, ou era Amália?
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