20 de março de 2021

Literatura de ficção científica - 5

 AELITA

Aelita, de Aleksei Tolstoi é o primeiro grande clássico da literatura russo-soviética de ficção científica. O escritor escreveu-o fora da pátria russa. Tendo partido para Paris com a família, em 1919, e indo instalar-se, dois anos depois, no outono de 1921, em Berlim, foi nessa cidade que escreveu o seu romance marciano.                                                                          Aelita foi publicado em livro, em 1923, já com o escritor regressado ao seu país, o que aconteceu em agosto desse ano, ultrapassadas que foram algumas barreiras psicológicas e culturais, de classe, que o envolveram e afligiram.                                                                    Aelita é uma utopia revolucionária como o são os principais êxitos da literatura de FC dessa época. Mas enquanto algumas dessas obras seguem a via do catastrofismo terrestre, a via de Aelita é a do cosmos. É. aliás, incontestável, que dois dos principais temas da literatura de FC, são as terríficas catástrofes a abalarem o planeta Terra e a conquista do espaço.                Uma viagem ao planeta Marte é o acontecimento dominante que situa Aelita na área da FC, muito embora a viagem em si seja um episódio menor do romance.                                        No dia 18 de agosto de 1923, o engenheiro Mstislav Sergueievitch Loss e o soldado Aleksei Ivanovitch Gussev partem para o espaço, em direcção ao quarto planeta solar, num foguetão planeado e construído pelo primeiro, um ovo metálico com cerca de oito metros. São eles os protagonistas masculinos do livro. Loss foge ao desgosto provocado pelo falecimento da sua jovem esposa, Gussev vai apenas em busca de aventuras. Dá-lhes réplica uma mulher marciana, e é dela o nome que ao livro dá o seu título.                                                            Em Marte existe uma só comunidade. A estrutura social e política é do tipo feudal, mas o nível técnico é em muitos domínios surpreendente, há electricidade, telefone, televisão, lanchas voadoras.                                                                                                                     Tuskub, chefe do Conselho Superior de Engenharia, órgão supremo que governa o povo de pele azul que habita o planeta, tem uma filha chamada Aelita. Uma mulher jovem… esbelta, branca e azulada… de cabelo cor de cinza… com enormes olhos de pupilas cinzentas… nariz ligeiramente arrebitado e boca grande, doce como os de uma criança… voz suave, leve como música… graciosa e leve como uma flor. Ela conta a Loss a história do povo a que pertence, descendente dos lendários atlantes da Terra, os Filhos do Céu, e das mulheres do primitivo povo marciano de pele alaranjada, os Aolos, e desvenda-lhe também os trágicos acontecimentos que ao provocarem a destruição e desaparecimento da Atlântida, determinaram a fuga dos atlantes para o espaço sideral e a sua chegada a Marte.                  O amor que explode entre Aelita e Loss, que ultrapassa o platónico e atinge a paixão carnal, é o amor entre um terrestre e uma habitante de outro planeta, uma alienígena, sendo nesse aspecto, o primeiro de toda a história da literatura mundial e constitui um dos traços mais relevantes e cativantes do romance, fortemente responsável pelo fascínio com que ainda é lido.                                                                                                                               O humor, a força, a alegria de viver e o muito realismo que caracterizam o perfil do soldado Gussev, constituem no seu todo um outro motivo de interesse, ou, simplesmente, o outro motivo de interesse de Aelita, hoje. Gussev não foi a Marte para nadar nas piscinas ou cheirar flores. Gussev aspira à união do planeta Marte com a República Federativa Russa e encabeça a revolução em Marte. Gussev salva Loss das forças retrógradas marcianas. E Gussev, após regressar à Terra, funda a Sociedade para o transporte de um destacamento de combatentes para o planeta Marte a fim de salvar os restos da sua população trabalhadora. Gussev é uma força da natureza, é um russo típico em cujo olhar cintila, permanentemente, uma expressão de zombaria e de louca determinação.                                                              A forte originalidade e o alto recorte literário, muito arredio de boa parte dos livros de FC, foram as grandes armas que impuseram, então, Aelita, junto do público e da crítica e o fizeram resistir à passagem do tempo. Aelita ainda hoje se lê com interesse e agrado, o que, aliás, não é excepção relativamente à vasta obra do seu autor. Aleksei Tolstoi foi um escritor versátil, eclético, produtivo e muitas vezes brilhante, que conquistou, merecidamente, um lugar destacado no panorama da jovem literatura soviética.                                                    Tolstoi voltou ainda uma segunda vez á ficção científica, mas, então, ao escrever, O hiperbolóide do engenheiro Garine (Giperboloid ingenera Garina, 1925), voltou as costas ao espaço e assentou os pés na Terra, imaginando uma história muito ao jeito policial negro americano, muito ao estilo do romance catástrofe. Os seus personagens são antípodas dos de Aelita: o sábio Garine, figura sinistra e maléfica, o ambicioso milionário americano Rolling, a bela aventureira Zoe Montrose, e o enérgico agente Chelga.                                                  Neste livro Aleksei Toltoi tem um verdadeiro rasgo de antecipação científica ao predizer, com o seu hiperbolóide, o aparecimento do laser. Imaginar o raio laser em 1925, e descrevê-lo, embora em termos de física clássica e certamente com erros de ordem técnica, foi de uma indesmentível genialidade. Mas, O hiperbolóide do engenheiro Garine, não fez esquecer Aelita, não alcançou nunca a projecção deste e não se fixou na memória colectiva do leitor de FC.                                                                                                                        Ambos os livros foram transpostos para o cinema, embora só a versão cinematográfica de Aelita seja ainda recordada, citada e exibida (1). O filme data de 1924 e foi produzido com grande aparato e publicidade pela Mejrabpom-Ruch, de Moscovo. A realização foi entregue Iakov Protazanov, cineasta veterano com provas já dadas, no antigamente tzarista, que regressara do seu exílio em Paris, e o guião ao realizador Ossep e ao dramaturgo Aleksei Fajko.                                                                                                                                    Protazanov e os seus argumentistas reduziram ao mínimo a aventura marciana e inventaram uma história quase completamente diferente da do livro. Como filme de FC foi uma completa desilusão, apesar dos sugestivos ambientes construtivistas marcianos. Mas como filme temático de cariz social também não convenceu, mostrando-se sempre pesadão, confuso, desinteressantemente retórico.                                                                       Voltando à literatura e para finalizar, assente-se que Aelita foi um livro extremamente influente, que teve seguidores e imitadores. Operação Vénus, já citado, cuja intriga, no fundamental, pouco difere, é um exemplo dessa influência. Só que a heroína do planeta cor de laranja, chama-se Noella, possui olhos de felino e tem a beleza e a figura de uma oriental. Mas também ela não consegue partir com o seu namorado terrestre. “Durante alguns segundos os astronautas puderam ver um ponto escuro no planeta: Noella exausta, olhando o espaço..."                                                                                                                   (1) Aelita esteve no Fantasporto 87 e, posteriormente, no Fórum Picoas

                                                                 

                                  

  

Sem comentários: