31 de março de 2021

Para a história da literatura policial portuguesa que um dia alguém há-de escrever - 3b

 1º República (continuação)

Pessoa, Fernando - (Lisboa, 1888 - Lisboa, 1935)

Fernando António Nogueira Pessoa, poeta maior do modernismo literário da língua portuguesa.           O banqueiro anarquista, conto.                                                                                                            Publicado no nº 1 da revista Contemporânea, de Lisboa, a selecção deste conto pode parecer abusiva, mas não sendo um conto policial, apresentando-se mais como um texto filosófico, ele é, essencialmente, de acordo com o autor, um conto de raciocínio. Como tal, embora muito diferente de todos os outros que escreveu, e ser o único que completou e publicou, justifica-se aqui a sua presença, dando azo a que se recorde a sua atracção pelo policial, o que o levou a escrever textos desse género literário, embora não tantos, nem tão estruturados e completos, como terá planeado, e que só começaram a ser divulgados já muito depois da sua morte.                                                                         Fernando Pessoa foi para a África do Sul em 1896, com oito anos, só tendo regressado, definitivamente, a Portugal, em 1905, já com dezasseis anos. A sua educação foi, naturalmente, britânica, pelo que o inglês se tornou, praticamente, a sua língua natal. Já em Portugal, é ainda em inglês que escreve os primeiros poemas, e é em inglês que, nos dois anos seguintes, escreve os seus primeiros policiais, começando, presume-se, com um prefácio sobre um tal William Byng, um sargento não se sabe de quê, já falecido, que considera ter sido um raciocinador (reasoner) de uma enorme perspicácia e de uma invulgar intuição analítica, que protagonizou três de quatro histórias (tales) cuja autoria   Fernando  Pessoa entrega ao seu pseudónimo Horace James Faber. As quatro tales of a reasoner (Histórias de um raciocinador) são: The stolen document (O documento roubado), The case of the science master (O caso do professor de ciências), The case of the quadratic equation (O caso da equação quadrática), The case of mr. Arnott (O caso do sr. Arnott), nenhuma completa, a primeira ainda sem Byng, a segunda a mais desenvolvida.                                                                                                 É a partir de tais histórias que Pessoa inicia, por sua vez, um ensaio, também escrito em inglês, Detective story (História policial), sob o pseudónimo Charles Robert Anon, que também nunca chegou a completar.                                                                                                                                             Cerca de cinco a seis anos depois das tales of a reasoner, Fernando Pessoa voltou às histórias policiais, agora em português. Uma vintena de contos de raciocínio , nenhum completo, alguns apenas esboçados, outros apenas projectados. Eis os nomeados: O caso Vargas, O pergaminho roubado, A morte de D. João, A carta mágica, O roubo na Quinta das Vinhas, O desaparecimento do dr. Reis Gomes, Roubo no Banco Galícia, O caso do quarto fechado, Janela estreita, O caso do Banco Viseu, Crime, Cúmplices, O roubo na rua dos Capelistas. Para os deslindar, Fernando Pessoa criou, na esteira do inglês William Byng, um outro investigador, o português Abílio Fernandes Quaresma, médico sem clínica e de saúde frágil, viciado no álcool e no tabaco, decifrador de charadas, nascido em Tancos em 1865 e falecido em Lisboa em 1930, apresentando-o, também, como se de uma pessoa real se tratasse.                                 É em O caso Vargas, o conto mais trabalhado, pensado e estruturado, com os seus catorze capítulos que, numa fase final, poderiam desdobrar-se em mais dois ou três – todos os outros contos estariam pensados para terem, cada um deles, talvez mais três ou cinco capítulos – que pela primeira vez, Quaresma contacta a polícia e apresenta publicamente uma solução, referindo-se «ao incidente policial suscitado pela morte de Carlos Vagas e pelo desaparecimento dos planos do submarino do comandante Pavia Mendes», como O caso Vargas, e expondo o seu método de decifração de enigmas. Segundo Quaresma, a investigação deve desenvolver-se, primeiro determinando se houve crime e não suicídio ou desastre; se houve, determinar como, quando e porquê, e depois, naturalmente, determinar quem o praticou. Para isso, tendo presente que os crimes podem ser de temperamento, de impulso ou de ocasião, há que recorrer à psicologia (o estado mental do criminoso), à especulação (formulação de hipóteses), ao conhecimento (casos análogos já investigados). É toda uma teoria de racionalidade que Quaresma pratica com êxito nas suas decifrações.                                                                                      Num ensaio da autoria de Alfredo Guisado, intitulado Um drama policial de Fernando Pessoa, publicado na revista, Investigação, em 1954, o autor afirmava que o drama estático, O Marinheiro, escrito em 1913 e publicado em 1915, no primeiro número da revista, Orpheu, podia ser apontado como fazendo parte do verdadeiro aspecto policial, ou seja, tinha lugar na história da literatura policial portuguesa. Sublinhe-se, no entanto, que Fernando Pessoa nunca relacionou, O Marinheiro, com os seus contos de raciocínio.

Nesse ano: Publicação do conto, O Malhadinhas, de Aquilino Ribeiro.                                                                                         Travessia aérea do oceano Atlântico, de Lisboa ao Rio de Janeiro, por Gago Coutinho e Sacadura Cabral. 

                                                                                                        CONTINUA

 

 

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