22 de março de 2021

Literatura de ficção científica - 7

MARGARITA E O MESTRE ou O MESTRE E MARGARITA

Desconheço o motivo ou motivos de o livro ter sido sempre editado em Portugal, com o título, Margarita e o Mestre, quando no original ele se intitula, O Mestre e Margarita. Adiante.                                                                                                                                       Mikhail Bulgakov, autor de grande talento, contista, romancista, dramaturgo, não pode ser considerado como um escritor de ficção científica, embora tenha recorrido a ela, e muitas vezes, também, ao fantástico e ao diabólico, tornando mais ácidas e inquietantes as suas sátiras sociais.                                                                                                                            Margarita e o Mestre, para além de muito mais, é, sem dúvida, uma sátira social. Um muito mais que engloba, igualmente, e não só, sátira política e alegoria religiosa. Um romance de humor muito negro, que elogia a bondade e condena a cobardia, e apela à consciência e à compreensão dos leitores, das pessoas, do povo, para as muitas peripécias, ora divertidas ora aterradoras, sempre inesperadas, que o compõem. Um livro único, inclassificável, que o seu autor começou a escrever em 1928 e não mais largou, até à sua morte, em março de 1940, quatro semanas depois de ter preparado uma quarta versão. Foi publicado pela primeira vez na revista Moskva, em versão censurada, uma parte em novembro de 1966, e o restante em Janeiro de 1967. Só em 1973, em Frankfurt e Moscovo, foi publicada uma primeira versão integral.                                                                                                                                       O romance divide-se em duas partes que contêm duas narrativas que se entrelaçam, uma passada em Moscovo, calcula-se que em 1929, outra em Jerusalém, possivelmente no ano 29.                                                                                                                                      Dando o nome ao livro, Margarita e o Mestre apresentam-se como os seus protagonistas, mas talvez não fiquem mais  na memória do leitor do que, Woland, o diabo em figura de gente, com um olho preto, o direito, e um olho verde, o esquerdo, e os seus sequazes. Beguemot, um gato preto, grande como um porco que anda sobre as patas traseiras, fala, bebe, e bebe vodka, o ruivo Azazello, uma espécie de anão, forte, feioso e maldoso, Koroviev, um verbalista magricela, alto, de lunetas, e a bruxa Gella, uma rapariga completamente nua, ruiva, de olhos ardentes e fosforescentes. Aparecidos aleatoriamente, sem se saber bem porquê, eles são seres assustadores, provocadores, responsáveis por todos os estranhos , chocantes e trágicos acontecimentos ocorridos , e, no fundo, os denunciantes do muito que há de errado, de injusto e de condenável na sociedade moscovita.                     O Mestre, na sua primeira aparição, é um homem dos seus 38 anos, barbeado, de cabelo escuro, nariz afilado, olhos inquietos, e com um anel de cabelo caído para a testa. Margarita, paixão do Mestre, é uma mulher de trinta anos, bela e inteligente, casada, sem filhos, rica, também por ele apaixonada, sua amante. O Mestre, escritor, é o autor de um livro a que chamou Pôncio Pilatos, que mais não é do que a narrativa do que se passou em Jerusalém, no ano 29, entre o Procurador da Judeia e Ieshua (Jesus), e os motivos e consequências desse encontro. Mas o livro é a sua desgraça. O editor recusa, com desprezo, publicá-lo, e dá o manuscrito a ler a vários críticos que arrasam a obra e o autor. O Mestre é acusado de antiteísmo, numa sociedade legalmente ateia, por escrever sobre figuras religiosas como se estas tivessem existido, como se fossem figuras históricas. Acusações e insinuações sucedem-se, e ele, desesperado, queima o manuscrito, enlouquece e é internado.  .                             Em face do acontecido, para o salvar, Margarita, que o incentivara a publicar o livro, vende a alma ao diabo, recorre a Woland, que afirmara já ter presenciado o encontro de Pôncio Pilatos com Ieshua, o que confirmava como real o que o Mestre escrevera no seu livro, aceitando o convívio  com ele e os seus acólitos, acompanhando-os nas suas alucinantes deambulações por Moscovo. Assim, Margarita vira bruxa e, montada numa vassoura, nua, voa sobre a cidade, e pratica várias tropelias culminadas com a entrada no apartamento de um dos maldosos críticos literários do Mestre, destruindo-o completamente. Depois, nada perturbada com o seu louco voo nocturno, aceita ir ao grande baile de Satã com Woland e o seu bando, sendo banhada em sangue, vestida com um manto rosado a cheirar a rosas, sapatos de pétalas e fivelas de ouro, coroa de diamantes, um pesado medalhão oval, enfim, como uma rainha. Ela será a anfitriã daquela multidão de convidados, só aparecidos depois da meia-noite, que lhe beijam a mão, o pé, o joelho, a fímbria do vestido, reis, duques, cavaleiros, suicidas, envenenadores, enforcados, procuradores, carcereiros, batoteiros, carrascos, informadores, traidores, loucos, espiões e sedutores, até Calígula e Messalina, todos já castigados e mortos a fingir que estão vivos. Woland reconhece a coragem, o sacrifício, a disponibilidade de Margarita, e resgata o Mestre, junta os dois amantes e entrega-lhes o manuscrito recuperado.                                                                                     O manuscrito do Mestre, sobre Pôncio Pilatos, ocupa quatro capítulos do romance, dois na primeira parte, dois na segunda. Começa com a descrição do encontro do procurador da Judeia, Hégemon, com Ieshua, o diálogo entre eles, o local e o ambiente em que decorre. Preso e acusado de incitar o povo à destruição do templo, Ieshua afirma que a acusação não corresponde à verdade. Os escritos sobre o que dissera, da autoria de Mateus Levi, alguém que o ouvira e resolvera ser seu companheiro, estavam errados, tinham sido mal interpretados. O que proferira fora que o Templo da antiga fé caíria e se ergueria um novo templo da verdade. Pôncio Pilatos admira-se de nada mais haver que incrimine Ieshua pelas desordens ocorridas na cidade, para além da pretensão de saber o que é a verdade. Mas surgem denúncias bem mais graves, sobre palavras contra o Estado, que implicam uma condenação à morte. A um tal Iehudh de Kerioth (Judas de Carioth), que lhe dera hospitalidade, Ieshua declarara, entre outras coisas, que todo o poder é uma violência sobre as pessoas e que virá um tempo em que não haverá poder, nem dos Césares nem qualquer outro. O homem entrará no reino da verdade e da justiça, onde não será necessário nenhum poder.                                                                                                                                    Confirmada a sentença de morte, que o sumo sacerdote judaico José Caifés, presidente do Sinédrio, não quis revogar, como a lei e o costume lho permitiam, em honra da festa da Páscoa que decorria nesse dia, preferindo libertar um criminoso, aparentemente bem mais perigoso.  Ieshua é levado para o monte Calvário para ser executado. Com ele vão mais dois condenados, cada um levando ao pescoço uma tabuleta com os dizeres: bandido e rebelde. Rodeiam-nos soldados romanos de infantaria e de cavalaria e para lá deles a populaça curiosa. A pena é de serem pendurados em postes até à morte. Assim acontece, mas ao anoitecer, um encapuçado, supostamente a mando do Procurador, vem ordenar aos carrascos para acabar-lhes com o sofrimento, ordem que eles executam utilizando as suas lanças. Mais tarde, já noite alta, o cadáver de Ieshua será libertado do poste e levado por Mateus Levi, o único a permanecer no local, onde sempre esteve, testemunhando os suplícios.                      O encapuçado é Afrânio, o chefe da polícia secreta de Pôncio Pilatos, que lhe vem relatar tudo o que se passou no monte Calvário, que lhe confirma a morte dos condenados, principalmente da de Ieshua. Ieshua perturbou Hégemon, que sabe que ele não era um bandido, o que o faz sentir-se estranhamente culpado, mas que pressentiu o perigo que ele representava, e por isso não chega sabê-lo morto, quer que ele seja enterrado em local desconhecido, quer que ele desapareça da face da Terra. Além do mais, também quer que Afrânio proteja o traidor Judas, que recebeu ou vai receber dinheiro do velho Caifés por aquilo que fez. Ele sabe que os amigos de Ieshua querem assassiná-lo e denunciar o aliciamento.                                                                                                                       Surpreendentemente, quem prepara o assassinato de Judas é o próprio Afrânio que faz com que ele seja atraído para fora da cidade e anavalhado pelos seus agentes. A história que ele depois engendra para explicar o acontecido, propondo-se mesmo ser preso e julgado por não ter conseguido proteger a vítima, é recebida por Pilatos com tal compreensão e boa disposição, que fica a dúvida se desejava mesmo salvar Judas, se não seria mesmo a morte deste que pretendia.    Depois de Afrânio, a quem, magnânimo, perdoa a incompetência e reforça a confiança, Hégemon recebe Mateus Levi, oferece-lhe comida, que é recusada, e exige-lhe o pergaminho onde estão os escritos sobre Ieshua, não para ficar com ele, mas para ler o que lá está. Depois devolve o pergaminho que se apresenta ensanguentado e sujo, e propõem-lhe emprego e oferece-lhe dinheiro. Levi volta a recusar e diz que irá matar o traidor Judas, mas fica de boca aberta quando o Procurador da Judeia lheconfessa que Judas está morto e que foi ele que o matou. Levi aceita então, e apenas, um pergaminho novo.       Este Mateus Levi, discípulo de Jesus, é o mensageiro, aparecido do nada, que vem falar com Woland, espírito do mal e senhor das trevas, sobre o destino do Mestre e Margarita, com qual tem o seguinte diálogo:                                                                                                       Mateus Levi: Foi ele que me mandou.                                                                                       Woland: E que te mandou ele comunicar-me, escravo?                                                             Mateus Levi: Eu não sou escravo - respondeu zangado - Sou seu discípulo.                             Woland: Falamos linguagem diferentes, como sempre. Então?...                                    Mateus Levi: Ele leu a obra e pede-te que o leves contigo e o recompenses com o repouso.    Woland: E porque não o levas convosco, para a luz                                                                    Mateus Levi: Ele não mereceu a luz, mereceu o repouso - disse com voz triste.                       Woland: Diz-lhe que isso será feito. E desaparece, imediatamente.                                          Mateus Levi: Ele pede que levem também aquela que o amou e sofreu por ele.                        Woland: Sem ti nunca teríamos pensado nisso. Desaparece .

 

 

 

 

Sem comentários: