1 de março de 2021

Manojas: a divagar e recordar - 6

Não foi nenhum dos meus leitores, aliás pouco dados a comentários, mas eu próprio que, ao reler o meu último texto, (Manojas: a divagar e recordar -5), dei pela falta de um parágrafo sobre o "ambiente de coscuvilhice", que bem me enfadou, no refeitório da empresa, durante o período do almoço. Vou-me então a ele, sem hesitar, pois até tem um certo espírito e não me fugiu da memória: O hábito, que se respeitava, era manter sempre o lugar que se ocupava pela primeira vez. A mesa de quatro pessoas para a qual, no primeiro dia, me dirigi, só tinha um comensal que logo que me topou a aproximar me fez um gesto de convite e se apresentou. Um veterano, de meia idade, muito senhor de si, com ar de quem conhecia todos os cantos à casa, sabichão, convencionalmente simpático. Os dois lugares vagos, que, no entanto, já tinham dono, foram ocupados, pouco depois, por um casal ainda jovem, mais ou menos da minha idade, ele um tipo baixote, de ar inquieto e perdido, que tivera a ousadia de casar com uma loura deslavada e impertinente, mais alta do que ele, que olhava sôfrega, e não estou a exagerar, para todo o macho alto e bem parecido. Com os meus três comparsas de almoço, cujos nomes esses sim deixei-os esquecer, como me fui apercebendo, não se conversava, mexericava-se viciosamente. E à medida que os dias iam passando e o à vontade se ia firmando lá fui sabendo, em pormenor, algo constrangido pela desfaçatez, quem enganava quem, os colegas que enganavam as mulheres, as colegas que enganavam os maridos, as promiscuidades de uns e de outros, e quem eram os protegidos dos chefes, quem eram os sabujos, os caluniadores, os revoltados, etc. O colega veterano, que se revelou o mais informado sobre o que se passava na comunidade, logo que soube que eu ainda era solteiro não tardou a confortar-me segredando que se eu alguma vez tivesse necessidade, sabia onde havia umas marias ratinhas prontas a receber-me e a satisfazer-me. Agradeci-lhe naturalmente o cuidado, embora recusando o convite implícito, por desnecessário (que havia eu de dizer, que havia eu de fazer?). E lá mais para a frente, com maior intimidade, confidenciou-me, em jeito de conselho, que desde que se casara, e já lá iam uns anos, todas as noites, sem falhar uma, satisfazia a mulher (o verbo utilizado foi outro, mais expressivo), e bem, para ela não ser tentada a mijar fora do penico, (traduzindo a tirada: a enganá-lo). Era o que todos os homens casados deviam fazer, era o que ele devia ter feito, rematou, apontando com o queixo para as cadeiras já desocupadas do casal, que, entretanto, já tinha deixado de aparecer. Não se podia ser, vernaculamente, mais explícito. Também ele, pouco tempo antes da minha transferência para Lisboa, mudou de poiso, convidado para outra mesa por outros colegas mais da sua área. Foi de certa maneira um alívio, pois pouco ou nada tinhamos em comum, salvo sermos ambos funcionários da mesma empresa.




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