E, porque não, avançar, também, com o segundo capítulo, e, talvez, mesmo, por aí fora até ao fim?
Na 1º
República
No dia 4 de outubro de 1910 rebenta a revolução com a insurreição, em Lisboa, de vários quartéis. A Marinha adere, o Palácio das Necessidades é bombardeado, o rei foge, a resistência das forças da ordem é desordenada e pouco empenhada, o golpe tem êxito. No dia seguinte, 5 de outubro de 1910, Portugal despede-se da Monarquia que o dirigia há oito séculos, proclamando a República. No ano seguinte, em maio, dá-se a eleição da Assembleia Nacional Constituinte que, a 19 de junho de 1911, aprova a Constituição Política da República, e em agosto é eleito o primeiro Presidente da República Portuguesa, Manuel Arriaga. Em 1914, rebenta a guerra na Europa, entre a Alemanha, França e a Inglaterra, que leva à intervenção dos EUA, e também nos arrasta para ela, espalhando-se um pouco por todo o mundo. Termina quatro anos depois, com a derrota da Alemanha e a assinatura do Armistício, no dia 11 de novembro de 1918, ficando conhecida como a 1º Grande Guerra Mundial. A literatura policial portuguesa esteve praticamente ausente nos primeiros tempos desse período, o fim da monarquia e os primeiros dez a quinze anos da república. As excepções encontradas, a registar, são alguns textos abusivo, implicando o mítico Sherlock Holmes: As victórias da lógica: aventuras de Sherlock Holmes (1910), do estudante de Coimbra, português de origem sueca, Gustaf Adolf Belgström (1880-1916); Sherlock Holmes intrujado por Jack O Estripador (1910), de Hermano Neves (1884-1929); Um imitador de Sherlock Holmes (1910), de Maria O’Neil (1873-1931); Sherlock Holmes no Porto: O cadáver que se evade, e, O «truck» de mr. Raymond (1912), de João de Meira (1881-1913), sob o pseudónimo Donan Coyle; O esqueleto desaparecido, e, O suicídio por engano, ambos de 1912, do humorista André Brun (1881-1926), sob o pseudónimo Félix Pevide; as peças Sherlock (1911), de Chagas Roquete (1875-1940) e Álvaro Lins; e para além de tais “brincadeiras” à custa do célebre detective: a peça O reposteiro verde (1912), de Júlio Dantas (1876-1962); O crime da avenida 33 (1914), de Luís Barreto da Cruz (1872-1948) e Manuel Neves (1875-1966); A cilada (1914), de Pedroso Rodrigues (1883-?); e três obras de cariz judiciário: O s criminosos portugueses. Estudos de antropologia criminal (1913), de António Augusto Mendes Correia (1888-1960); Os crimes da formiga branca: confidências verídicas e sensacionais d’um juiz de Investigação (1915), cinco fascículos, sem menção de autor; Páginas de sangue. Brandões, Marçais & Cª (1919), de Alberto Mário de Sousa Costa (1879-1961). No entanto, em 1915, surge um texto cujo enredo e estrutura, para além da qualidade literária, permite, considera-lo uma história policial: A estranha morte do Professor Antena, de Mário de Sá-Carneiro (Lisboa, 1890 - Paris, 1916) Na sua curtíssima vida de 26 anos, Mário de Sá-Carneiro, nos quatro últimos, marcou presença na literatura portuguesa, primeiro na prosa, como contista, depois como poeta modernista, tendo feito parte do grupo Orpheu, ao lado de Fernando Pessoa de quem foi amigo íntimo. Como contista, Mário de Sá-Carneiro foi um escritor do negro, do horror, que glosou obsessivamente os temas da loucura e da morte, do estranho, do inexplicável. No seu primeiro livro, Princípio (1912). Os títulos que nele se encontram são bem elucidativos: Loucura, O sexto sentido, O incesto, Página de um suicida, A profecia. Em, A confissão de Lúcio (1914), uma tragédia moral, é a ambiguidade do sobrenatural que se intui. Finalmente, com Céu em fogo (1915), na companhia de mais sete contos que confirmam as obsessões, as angústias e fobias do autor, lá vem, A estranha morte do professor Antena. É uma narrativa onde há uma morte, um mistério e uma investigação. A morte é a do professor e o mistério é a estranheza dela, revela-nos o título. A investigação é a do próprio narrador. À frente dos seus olhos, e só dos seus, petrificado, horrorizado, ao dobrar uma curva da estrada, na companhia do professor, viu: «… o Mestre estaca… Todo o seu corpo vibrou numa ondulação de quebranto…. Ergueu o braço… Apontou qualquer coisa no ar… Um ricto de pavor lhe contraiu o rosto… As mãos enclavinharam-se… Ainda quis fugir… Estrebuchou… Mas foi-lhe impossível dar um passo… tombou no chão… o crânio esmigalhado, as pernas trituradas… o ventre aberto numa estranha ferida cónica…». A quem acorreu, a todos os presentes e ausentes, à polícia, o que pode ele dizer-lhes para que acreditem nele? A solução é inventar um atropelamento e fuga, por um carro que nunca se vai encontrar. A explicação do inexplicável, cai no fantástico, na ficção científica, mas é a única que o investigador/narrador consegue obter e, muito mais tarde, oferecer ao mundo. O professor Antena terá confirmado a existência de mundos sobrepostos, paralelos, tendo construído um aparelho que torna possível uma espécie de viagem no tempo, que permite que uma pessoa viva no mesmo momento em dois mundos diferentes. Mas algo corre mal e o resultado da experiência é a sua trágica morte e a destruição do dito aparelho. E finaliza assim: «… E na memória do Prof. Domingos Antena, devemos sempre relembrar, atónitos, aquele que, por momentos, foi talvez Deus – Deus , Ele-Próprio: que realizaria, num instante, o Deus que nós criámos eternamente.»
CONTINUA
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