17 de agosto de 2017

BIBLIOTECA (1): a Sala

É a primeira divisão da casa, logo à direita da porta de entrada. Chamamos-lhe: a Sala. E é realmente uma sala, com dois cadeirões e uma cadeira, duas escrivaninhas, um computador e uma impressora. É lá que se encontra a Literatura Portuguesa de ficção e a de não-ficção com ela relacionada. A prosa numa estante, a poesia e o teatro em três prateleiras, os livros arrumados por ordem alfabética do último nome do respectivo autor.
A representação mais avultada é a dos romancistas, de Ruben A a Zambujal, com destaque para Camilo, Eça, e Saramago.
Porque os tive à disposição, sem restrições, li Camilo e Eça muito cedo, cedo de mais, para uma devida aceitação e compreensão. Se o romantismo avassalador e trágico de Camilo não me afugentou, a sua prosa desafiava-me e prendia-me, eu queria dominá-la, já o inesperado realismo de Eça, o adultério dos primos, os pecados do padre, o incesto dos irmãos, a escandalosa relíquia, inquietou-me, perturbou-me, indignou-me. Eu era um jovem inocente. Bons tempos.                                                     E, para que conste, claro que os reli, mas já mais sabido, já mais adulto, já mais permissivo.
Tenho quase toda a obra do nosso Nobel, e muito sobre o que dela se tem escrito. Conheci Saramago um pouco antes do 25 de Abril. Ocasionalmente, jogámos ténis, uma ou duas vezes, no Estádio Nacional, onde íamos aos sábados de manhã. Eu era assíduo, ele não. Depois dessa data, encontrámo-nos algumas vezes, aqui e ali, pois estávamos ambos do mesmo lado da barricada. A minha admiração pela sua obra começou cedo, com Manual de Pintura e Caligrafia, de 1976, e não mais esmoreceu, pelo contrário. A última vez que nos cruzámos e falámos foi no teatro S. Carlos, no dia da estreia da ópera baseada no seu, Don Giovanni ou o Dissoluto absolvido.
A poesia e o teatro passaram-me um pouco ao lado, mas não os ignorei. Luís de Camões e Gil Vicente estão lá, e ambos têm companhia de apreço. A propósito do primeiro, e não só, alerto para o livro, Camões e outros contemporâneos, de Helder Macedo, saído em Fevereiro deste ano, e recordo, do mesmo autor, Camões e a viagem iniciática,de 2013. 
Enfim, não os contei um a um, mas são ao todo cerca de meio milhar, e alguns, pela sua idade avançada, superior à minha, a merecer registo: Sons que passam (1868), O mensageiro de Fez (1899)  e D. Jayme (1921), de Thomaz Ribeiro; Paquita (1873), de Bulhão Pato; Os Sonetos (1886), de Antero de Quental; Poesias (1896), de João de Deus; A ceia dos Cardeais (1902) e Rosas de todo o ano (1907), de Júlio Diniz; Camões (1904), de Almeida Garrett; A filha do Arcediago (1905), de Camilo Castelo Branco; A Relíquia (1909) e Notas Contemporâneas (1909), de Eça de Queiroz; Os simples (1920) e A morte de D. João (1924) de Guerra Junqueiro; Os Pescadores (1924) e As Ilhas desconhecidas (1924), de Raul Brandão;  Sob a cinza do tédio (1925), de Fidelino de Figueiredo.

 

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