19 de agosto de 2017

BIBLIOTECA (1): a Sala

Volto ao local do crime, à biblioteca da sala, para relatar um episódio do qual fui um protagonista pouco feliz. Talvez por isso, mas inconscientemente, não o recorde quando era natural recordá-lo.   Estarei a exagerar? Talvez! É que não aconteceu nada de grave e o acontecido, quando contado até faz sorrir. Vamos lá!
No rés-do-chão, do prédio ao lado do meu, residia um sujeito, mais ou menos da minha idade, de ar sujo e desleixado, parecendo por vezes estar bebido ou drogado, hóspede de um casal de aspecto ainda mais desagradável, mais ele do que ela, pais de uma pobre criança, um rapaz, deficiente. As desavenças, as zangas, as gritarias, do casal, em casa, janelas escancaradas, ou mesmo na rua, devido à bebida ou à droga, eram constantes e bastante desagradáveis. As relações do hóspede e do casal, eram, por sua vez, pouco claras.
Escravo dos horários, como sempre fui e ainda sou, saí um dia de casa com a família, para ir já não sei a onde, tratar já não sei de quê, com a sensação de já estar atrasado. Inesperadamente, o tal sujeito mal encarado aparece-me à frente, balbuciante, braços estendidos, na mão um objecto qualquer. Apressado, impaciente, afasto-o sem meiguice: Não me chateie! Entrámos no carro e ao abrir a janela 
o sujeito reaparece, atira com o que tinha na mão e afasta-se. Faço menção de sair, mas a minha mulher
agarra-me diz: - É um livro! E os meus filhos gritam: - É um livro! Seguro e olho para o livro. O meu filho diz, baixo: - É um homem com a cabeça nas mãos. Continuo a olhar. O título do livro era, Textos Malditos, e o autor chamava-se Luiz Pacheco. O sujeito desaparecera, e nunca mais o encontrei. Diz a minha mulher, sem se rir: - Ele engraçava contigo e foi uma maneira de se despedir.
O livro cá está, e bem encadernado, e com ele mais quatro. Luiz Pacheco era, foi, um ESCRITOR.

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