2 de agosto de 2019

Receitas

Eu sei que a bota não dá com a perdigota, mas, que diabo, não podemos levar sempre tudo à letra. Falei, ou melhor, escrevi sobre cinema, de filmes, dos melhores da minha vida, também sobre o rosebud  cinematográfico e livresco, salto agora para um campo bem diferente, para a culinária, se assim devo chamar à recordação de duas receitas do livrinho de receitas do meu avô, a de um licor (o de "pés e folhas de ginja) e a de um bolo (o de "prata").

                                         LICOR DE "PÉS E FOLHAS DE GINJA"

Ingredientes: Um litro de aguardente vínica (por favor, não a trocar por um litro de bagaço), pés e folhas de ginja em cerca de metade, em volume, da aguardente, 400 grs de açúcar, água destilada na proporção de metade do peso do açúcar.
Pôr de infusão, na aguardente, os pés e folhas de ginja, juntamente com meia dúzia de ginjas com caroços, por um período não inferior a um mês, agitando diariamente.
Ao fim do tempo estabelecido, fazer uma calda com a água destilada e o açúcar, deixando-a ferver até ao ponto de fio.
Misturar a calda com a infusão, previamente passada pelo passador, agitar bem e deixá-la esfriar.
Juntar à mistura, já fria, uma clara de ovo e a respectiva casca, agitar bem, e deixá-la em repouso, de um dia para o outro.
Filtrar, engarrafar e beber, com parcimónia se possível
NOTA: O melhor licor de pés e folhas de ginja que tive o gosto de beber, foi o saído duma mistura de calda e infusão que ficou esquecida numa garrafa, durante muitos anos, na dispensa grandinha e a abarrotar de tudo e de mais alguma coisa, da casa dos meus avós. Por mero acaso, encontrei a garrafa, meio escondida a um canto, em uma das prateleiras, com um pequeno rótulo a dizer ginja. Não era vinho tinto como inicialmente julguei. Fui em busca do livrinho de receitas, e lá estava ela. Preparei o licor como era aconselhado e quando, finalmente, o provámos, a Helena e eu, era de beber e chorar por mais. Nunca mais consegui fazer outro com tão especial e raro sabor.
Se eu tivesse imaginado, então, que ainda iria viver mais sessenta anos, encheria a garrafa esquecida de uma nova mistura, guardá-la ia a bom recato, na dispensa, agora nossa, até ao aniversário dos sessenta anos, que já lá vão, do nosso casamento, para mais uma vez o beber e chorar por ele. Que falta de imaginação a minha!

                                                        "BOLO DE PRATA"

Ingredientes: 250 grs de farinha, 250 grs de açúcar, 125 grs de manteiga, 8 claras de ovos, uma colher de fermento, alguns miolos de nozes.
Misturar e bater, primeiro a manteiga e o açúcar, em seguida, à mistura, verter-lhe, a pouco e pouco, as claras, e, por último, acrescentar-lhe a farinha com o fermento.
Meter a massa resultante numa forma untada com manteiga, pôr-lhe umas nozes por cima e forno com ela.
Quanto tempo de forno? Aquele que for necessário, nem mais nem menos.
Apagar o forno, na hora, retirar-lhe a forma, deixá-la arrefecer, extorquir-lhe o bolo que lá se formou, colocá-lo num prato ou numa bandeja, à escolha, e cortá-lo em tantas fatias quantos os mirones assistentes, anciosos de lhe meterem o dente, salvo, naturalmente, se ele se destinar a alguma festarola caseira. Nesse caso é levá-lo inteiro para a mesa do repasto, para lá ser esfaqueado e consumido.
NOTA: Embora simples, modesto e, à vista, sem grandes atractivos, o "Bolo de Prata", que de prata só tem o nome, sempre foi o bolo da minha vida, desde jovem, adulto e velho, o meu estado actual. Há já anos que a Helena não se lembra de o fazer e eu, confesso, não me lembro de lhe o pedir. Entretanto a Teresa, filha, que era quem tinha o livro de receitas do bisavô quando o procurei (ela diz que eu lho tinha dado, que não o surripiou) já este século se arriscou a fazê-lo, uma vez, e saiu-se bem, ela que não é, propriamente, uma fan da culinária. Agradeci-lhe, e não me fiz rogado.
NOTA 2: Também a Sandra, uma jovem (a idade dá-me o privilégio de, sem favor e com sentido, assim a poder considerar) por nós contratada para, às segundas e quintas, aturar a nossa velhice, avançou com êxito para o dito, com alguns mimos da sua lavra e responsabilidade, que o adocicaram. Perdoei-lhe, a ela, e fui-me a ele.     

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