24 de fevereiro de 2021

MANOJAS: a divagar e recordar - 5

Quando saí da tropa, naturalmente, procurei emprego, visto que a situação económica dificilmente me permitiria, sem mais, voltar ao estudo, mesmo que estivesse disposto a isso. Ao saber que a CUF tinha começado a admitir pessoal jovem com pelo menos o curso liceal, resolvi candidatar-me. Fiz um estágio, de duas semanas, nas instalações fabris do Barreiro ao fim do qual fui admitido, provisoriamente, por seis meses, e, seguidamente, contratado. Por sorteio, calhou-me ser colocado nos escritórios da Zona Têxtil, tendo lá trabalhado durante um ano, pouco mais, antes de ser transferido para os correspondentes escritórios de Lisboa, conforme o estabelecido nas condições contratuais. Sinceramente, não exagero se disser que detestei aquele ano em que lá permaneci, não pelo trabalho em si, mas, principalmente, pelo ambiente opressivo, no escritório, e coscuvilheiro no refeitório. Só voltei ao Barreiro por imperativo de serviço, uma vez, e uma segunda por imperativo político, que explicarei.                                                                                                              Levantava-me todos os dias às seis da manhã, excepto aos domingos, claro, para apanhar o eléctrico 28 que saía dos Prazeres e me deixava na rua da Conceição, perto da praça do Comércio, que eu atravessava a correr para apanhar o barco que atravessava o Tejo e me levava ao cais do Barreiro, seguindo-se uma caminhada de cerca de meia hora, a passo estugado, para chegar às nove horas ao meu local de trabalho. Incrivelmente, os horários dos barcos não coincidiam com os horários das camionetas de carreira, e não por mais do que cinco ou dez minutos. Era normal chegar-se ao cais e vê-las a parir.                               O chefe dos escritórios da Zona Têxtil, o sr. Teixeira, funcionário antigo, respeitado e competente, era também dos chefes mais temidos e detestados. Nunca tive dele qualquer razão de queixa pessoal, mas eu tinha um estatuto diferente da maioria do pessoal que por lá havia, quase todo de origem operária, com pouca instrução, homens e mulheres que ele conhecia quase desde o berço, que tratava por tu, alguns que estavam lá por influência dele, a quem à mais pequena falta era capaz de castigar e insultar da maneira mais soez. Todos sentados às secretárias de costas para o chefe, nada de conversas, e ninguém a sair, no fim do dia de trabalho sem lhe pedir licença, o que nem sempre era concedida. E não havia pagamento de horas extraordinárias. Mas havia uns caderninhos onde eram anotados todos os erros e falhas cometidos por cada um, durante o ano, com o objectivo que se pode imaginar, como por exemplo, o subsídio de Natal concedido pela empresa, no valor máximo de um mês, ser dependente do critério das chefias que o podia reduzir ou mesmo cortar.  Um dos sabujos do sr. Teixeira, que também os havia, tinha a missão de ter em dia esses caderninhos e de andar sempre atento ao que se dizia e fazia. É certo que, pessoalmente, nunca tive qualquer problema com o sr. Teixeira, salvo ele ter atrasado, intencionalmente, a minha transferência para Lisboa. O que ele pretendia é que eu optasse por permanecer no Barreiro. Livra! Como já referi, voltei lá por imperativo político, estávamos então no período mais quente do pós 25 de abril. Foi a convocação de uma assembleia geral de trabalhadores do Barreiro com a finalidade de se votar a expulsão de três colegas, acusados de serem contra-revolucionários. A acusação vinha do operariado conotado com o MRPP. Avisadamente, a comissão de trabalhadores, de feição comunista, não alinhou na prepotência, mais a mais vindo ela de onde vinha. E eu e muitos outros colegas de Lisboa resolvemos ir à assembleia defender os colegas acusados cujo crime, ao fim e ao cabo, não era outro senão, imagine-se,  serem militantes do PS. Após a discussão, a votação fez-se à porta fechada e de braço no ar, mas acabou por nos ser favorável. Pelo que, apelidados com raiva de “os alpacas de Lisboa”, termos estado em risco de apanhar uma valente porrada. Não nos livrámos foi do susto.                                                               Trinta e dois anos passados, entretanto, com a CUF a chamar-se Quimigal, já então como quadro superior, chefe de serviço, fui levado a reformar-me, o que aconteceu em 1987. Política de reformas antecipadas para renovação de quadros? Não. Em poucos anos, a Quimigal não se reformou, definhou, desapareceu. Foi uma subida a pulso que até meio do percurso correu com normalidade, mas que a partir do glorioso 25 de abril de 1974, foi encontrando algumas barreiras que irremediavelmente a atrasaram. Barreiras resultantes de certas posições que tomei, de que não me arrependo, embora me tenham penalizado, e não pouco. Exemplifico: o ter colaborado com a Comissão de Trabalhadores quando esta tomou o controlo temporário da empresa, logo após o 25 o de abril. Por “sorte”, coube-me controlar o andar da administração (por exemplo, impedir a saída ou destruição de documentos), onde reinava o patrão Jorge de Mello, que , aliás, não me levantou qualquer problema, ao contrário do director financeiro e das secretárias da administração (nunca mais me falaram); o ter trocado o Sindicato dos Escritórios, da UGT, pelo Sindicato dos Químicos, da CGTP, que englobava a maioria dos trabalhadores, alinhando com o princípio de que o sindicalismo vertical dava mais força reivindicativa; o ter defendido, por três vezes, como testemunha principal, junto do tribunal arbitral, colegas que se queixavam, com razão, não estarem devidamente classificados. Houve outros motivos, talvez o facto, pelos vistos não esquecido, de durante o antigo regime, ter sido visitado na empresa por um agente da PIDE, calculo que só para me avisar e assustar. citando irrelevantes casos passados. Mas foram os acontecimentos atrás citados que me fizeram ouvir do director financeiro:” Você é um inimigo da empresa.”, e do director da Divisão a que eu pertencia e que veio a ser presidente do Conselho de Adminitração:“Só é pena ele ser comunista”. Ao primeiro virei-lhe as costas, ao segundo, no meu último dia na empresa, pedi uma audiência que foi aceita, para me despedir e dizer-lhe, e disse, que a minha militância política só a mim dizia respeito, fosse ela qual fosse, e que nunca tinha afectado ou interferido na minha actividade profissional. como se inferia da própria frase opinativa.                                                                                                                                                                                          E não foi tudo, mas por aqui me fico.

 




1 comentário:

Álvaro de Sousa Holstein disse...

Resgatar o passado é um exercício que infelizmente cada vez se pratica menos, mas que é fundamental para preservar e clarificar o passado. Obrigado.