25 de maio de 2020

Os livros da minha vida (7)

Erico Veríssimo que foi o primeiro anfitrião, na sua prosa subtil e firme, apresentou-me “Clarissa”, arrastou-me para “Um lugar ao sol” e cativou-me com “Olhai os lírios do campo”. Depois, ao fazer uma pausa pensando mudar rumo esbarrei com “Terras do sem fim”. De quem? Outro brasileiro, Jorge Amado, um desconhecido. Peguei-lhe, folheei-o: a terra adubada com sangue, o cacau. Comecei a lê-lo e jamais parei. “Terras do sem fim”, pode ter sido superado, talvez por, “S. Jorge dos Ilhéus”, “Capitães da Areia”, “Gabriela, cravo e canela”, sei lá, mas a verdade é nunca o esqueci. É difícil esquecer o primeiro amor se lhe descobrirmos a alma. A alma de “Terras do sem fim”, um poema em prosa a abrir o capítulo, Gestação de cidades. Não resisto a transcrevê-lo: “Era uma vez três irmãs: Maria, Lúcia, Violeta, unidas nas correrias, unidas nas gargalhadas. Lúcia, a das tranças; Violeta a dos olhos mortos; Maria, a mais moça das três. Era uma vez três irmãs, unidas no seu destino. Cortaram as tranças de Lúcia, cresceram seus seios redondos, suas coxas como colunas, morenas, cor de canela. Veio o patrão e a levou. Leito de cedro e penas, travesseiros, cobertores. Era uma vez três irmãs. Violeta abriu os olhos, seus seios eram pontudos, grandes nádegas em flor, ondas no caminhar. Veio o feitor e a levou. Cama de ferro e de crina, lençóis e a Virgem Maria. Era uma vez três irmãs. Maria, a mais moça das três, de seios bem pequeninos, de ventre liso e macio. Veio o patrão, não a quis. Veio o feitor, não a levou. Por último veio Pedro, trabalhador da fazenda. Cama de couro de vaca, sem lençol, sem cobertor, nem de cedro, nem de penas. Maria com seu amor. Era uma vez três irmãs: Maria, Lúcia, Violeta., unidas nas gargalhadas, unidas nas correrias. Lúcia com o seu patrão, Violeta com seu feitor e Maria com seu amor. Era uma vez três irmãs, diversas no seu destino.Cresceram as tranças de Lúcia, caíram seus seios redondos, suas coxas como colunas, marcadas de roxas marcas. Num auto pela estrada cadê o patrão que se foi? Levou a cama de cedro, travesseiros, cobertores. Era uma vez três irmãs. Fechou os olhos Violeta com medo de olhar em torno: seus seios bambos de pele, um filho para amamentar. No seu cavalo alazão, o feitor partiu um dia, nunca mais há-de voltar. Cama de ferro se foi. Era uma vez três irmãs. Maria, a mais moça das três, foi com seu homem pró campo, prás plantações de cacau. Voltou do campo, era a mais velha das três. Pedro partiu um dia, não era patrão nem feitor, partiu num pobre caixão, deixou a cama de couro e Maria sem seu amor. Era uma vez três irmãs. Cadê as tranças de Lúcia, os seios de Violeta, cadê o amor de Maria? Era uma vez três irmãs numa casa de putas pobres. Unidas no sofrimento, unidas no desespero. Maria, Lúcia, Violeta, unidas no seu destino.” Veríssimo e Amado abriram-me, pois, forte apetite para a literatura brasileira, que se mostrou bem fornecida. Servi-me dela a contento como, sem ser exaustivo, posso revelar: “Subterrâneos da liberdade” , Jorge Amado; “Memórias póstumas de Brás Cubas”, Machado de Assis; “Obras poéticas”, Manuel Bandeira: “Os sertões”, Euclydes da Cunha; “O doente Molière“, Rubem Fonseca; Lavoura arcaica”, Raduan Nassar; “Morte e vida Severina”, João Cabral de Melo Neto; “Memórias do Cárcere”, Graciliano Ramos; “Água-mãe“, José Lins do Rego; Viva o povo brasileiro”, João Ubaldo Ribeiro; “Sagarana”, João Guimarães Rosa. Nunca fui ao Brasil, já não irei, mas gostaria de ter tido vontade de lá ir. Nunca Tive.

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