24 de maio de 2020

Os livros da minha vida (6)

Nunca fui ao Brasil, já não irei, mas gostaria de ter tido vontade de lá ir. Nunca tive. A minha avó materna que ainda hoje não tenho a certeza se era portuguesa ou brasileira, casou duas vezes, a primeira com um brasileiro e a segunda com um português. Teve três filhas, uma do primeiro casamento e duas do segundo. A minha mãe era a filha mais nova. Tive dois bons amigos brasileiros, a Cremilda e o Hermano, ela era jornalista e ele realizador de cinema. Há trinta anos que pouco ou nada sei deles. Conhecemo-nos em Moscovo, durante o 13º Festival Internacional de Cinema de Moscovo, em 1983, que decorreu de 7 a 21 de julho, onde para além das delegações portuguesas e brasileiras, recordo as dos nossos irmãos de Angola e Moçambique. Foi lá, com alguns deles, certamente a Cremilda, o Hermano, e mais o Salvato, o coronel Augusto Silva, o Lima Duarte, o Luandino, o Mário e o Roque, que festejei o meu 55ª aniversário, no bar do Hotel Rossia, que entre os festivaleiros era conhecido como o bar da decadência, com caviar, do muito bom e vodka com laranja, de chorar por mais. Uma festarola de arromba. No ano seguinte a Cremilda veio a Portugal, a Lisboa, e a seguir foi a vez de Hermano, atraído pelo Festival Internacional de Cinema de Troia. Aquela Troia, onde há oitenta anos, não menos, aprendi a nadar à minha custa. Fomos lá, o meu tio e primos, uma bela manhã de verão, num pequeno pesqueiro, que se encostou ao único e modesto embarcadoiro que lá havia. Acto contínuo o meu primo mais velho, o Luís, atirou-me pela borda fora e saltou atrás de mim para me ajudar, se necessário. Mas consegui chegar à areia, à praia, por mim próprio. Uma vitória. À nossa espera só gaivotas a esvoaçar e piar. Bons tempos que já não voltam, não. E depois de Lisboa e Troia o oceano Atlântico, a vida, o tempo, interpôs-se, afastou-nos, nunca mais nos vimos. Nunca fui ao Brasil, já não irei, mas gostaria de ter tido vontade de lá ir. Nunca tive. A literatura brasileira foi a primeira, não portuguesa, que curiosamente abordei. A língua era a mesma, irmã da nossa. CONTINUA

1 comentário:

luzindro disse...

Que gosto é poder passar por todas as entradas deste blog. Algumas passam-me por cima (ou por baixo, depende da esquiva), mas sinto sempre que levo uma lição de vida como recuerdo. Esta, a do Brasil, toca-me especialmente porque nunca tive vontade de lá ir, mas fui. Fui a um Brasil, digo, que há muitos, espalhados pelo tempo e pelo espaço. E depois de ter ido, fiquei com a sensação de que devia ter tido vontade antes de ir. Obrigado